14 dezembro 2011

O caminho faz-se Caminhando


“Coincidência é a maneira que Deus usa para permanecer anónimo” Albert Einstein
Começo este modesto artigo com o curto pensamento acima citado, mas ao mesmo tempo de uma enorme profundidade na sua essência.

 
Há dias atrás, quando estava a criar o presépio lá de casa com a família, entre outras coisas acabámos por fazer um pequeno caminho de farelo, no qual nada chegamos a pôr. Não foi propositado, mas sim porque não tínhamos mais peças. Ficou assim um caminho isolado, solitário e despido.

Por mera coincidência veio-me à ideia de ali recriar a passagem bíblica narrada em São Lucas 24 “O caminho de Emaús”. Para isso bastaria adquirir três peças alusivas, o que por aqui não é muito fácil, atendendo ao facto de que quase só se venderem as peças tradicionais. Por mais outra coincidência, uma tabacaria local tinha à venda peças de presépios diferentes das tradicionais, provenientes de sobras de outros anos ou, eventualmente, de revistas de coleção. Coincidência ou não, tinha apenas duas figuras diferentes que se adequavam ao papel de discípulos, ficando assim a faltar a figura de Cristo que, numa outra rua, e dentro de uma cestinha de peças de todos os tipos, lá estava Ele sozinho, como que à minha espera.

À noite, o caminho isolado, solitário e despido, ficou cheio de luz, cor e alegria, apenas com aquelas três peças. Fiquei com um ligeiro sorriso nos lábios a admirar o resultado e sentia-me bem por ter conseguido encontrar tão facilmente as peças que precisava.

Ali fiquei algum tempo a imaginar a passagem bíblica narrada em São Lucas . O que Jesus disse ou terá dito aos discípulos e aquilo que eles ouviram e sentiram com a Sua presença e as Suas palavras.

Novamente veio-me à ideia o que significaria realmente o Caminho de Emaús, para além do que está escrito.

A primeira ideia que me ocorreu foi a de que não é somente uma passagem bíblica em que quase sempre dizemos “naquele tempo”, mas sim, que este caminho foi, é e será sempre atual. Basta nós abrirmos os olhos para Ele, aliás, em Cristo todas as coisas são novas, basta querermos ouvi-lO no caminho da vida, no nosso caminho de Emaús. Depois, e por acréscimo comecei a pensar no resto desta fabulosa passagem.

“Nesse mesmo dia, dois dos discípulos iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera.”

Caminhar foi a palavra que retive. O que muitas vezes nos custa, é levantarmo-nos do conforto aparente e virtual desta vida e começar a trilhar esse caminho verdadeiro e real. Caminhar com Ele, lado a lado. Que alegria seria se o fizéssemos constantemente.

“Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer.
Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; como os sumos-sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.”
Que bom seria se O ouvíssemos verdadeiramente. Se realmente quiséssemos conhece-lO, escutar a Sua história e compreender o que nos quer transmitir. Ontem, como hoje e amanhã, sermos permanentemente estas duas personagens desse caminho, no nosso modo de estar e ser. Na verdade, inúmeras vezes somos nós os únicos forasteiros a ignorar o que realmente se passou ou a querermos ignorar.

“Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito.
Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso. Entrou para ficar com eles.”

Muitas vezes sentimo-nos lentos de espírito porque achamos que Cristo não está connosco, quase como se fosse uma ausência de Deus nas nossas vidas, no entanto, tudo muda quando O (re) descobrimos no irmão ao nosso lado, na simplicidade perfeita da natureza ou no silêncio com Deus. Quando isso acontece, quando sentimos novamente Cristo em nós, sentimo-nos felizes e com vontade de mudar o Mundo. Sinto que Cristo em nós faz-nos mudar de atitudes, mais atentos aos que nos rodeiam, a quem atendemos (no serviço por exemplo) e mais disponíveis para amar o próximo…começando nos nossos. Julgo e sinto que, de nada valerá “amar o próximo”, se o primeiro próximo, não for aquele ou aquela que é sangue do nosso sangue, descendente ou ascendente, direto ou indireto, ou que, não sendo nada disto, está mais próximo de nós. De que valerá amar o próximo, por vezes um estranho quem nem conhecemos, se dentro das quatro paredes das nossas casas, alguém passa fome ou sofre de solidão?

“Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.”

Quantas vezes, não nos sentimos impelidos pelo Espírito Santo, a ter vontade e a necessidade primária de voltar a Jerusalém e contar a todos que Cristo está vivo e vive em nós? Tantas, mas tão poucas ainda para as que devia ser.

“E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”

O nosso olhar (tantas vezes que é assim), cego com as luzes do mundo, do barulho ensurdecedor do ruído que fazemos para não ouvir a voz de Deus, no entanto é, quando a cegueira passa, que descobrimos Cristo e o Seu modo de nos fazer ver e sentir as coisas à nossa volta, que nos faz continuar a caminhar escutando a Sua palavra e tornando-nos assim, quase como aqueles dois apóstolos…um ardor no coração enquanto o Ouvimos.
Coincidência ou não, desejo que este pequeno caminho de farelo aqui exposto, possa ser para todos o princípio de uma outra maneira de caminhar nesta vida, caminhando lado a lado com Cristo. “Um caminho que poderá ser duro mas, tirai a santidade à cruz e ter-lhe-eis tirado a sua força avassaladora. Ter a coragem de proclamar a dificuldade do caminho é, simplesmente, pôr em evidência a altura do cume que se pretende atingir: alvorada para os homens generosos, incitamento para os humildes, coroa para os que têm esperança.” …um caminho de Emaús.