Na oitava da purificação
“Contemplemos na Purificação a festa do sacerdócio da Santíssima Virgem.
Em 1º lugar debrucemo-nos sobre o que conhecemos pela Escritura acerca dos gestos de Maria nesse dia. Chega diante do Templo uma jovem mãe trazendo envolta nos véus o Menino Jesus. José acompanha-a, levando duas rolas numa gaiola e cinco moedas de prata numa bolsa. Entrega uma rola ao sacerdote que é aspergida com água lustral. Depois sobe mais alguns degraus e oferece as cinco moedas e outra rola. Finalmente entra no Templo, e ei-la na presença do Pai para quem ela estende o seu filho – o Filho de Deus e seu filho também. E, nesse pequeno ser, ela sabe que está contida toda a humanidade: todos os esforços, todos os sofrimentos, todas as alegrias dos cristãos, estão já no coração de Jesus, e Maria oferece ao Pai todos os filhos que virá a ter. Pensa nisso, seguramente, e sabe que este seu gesto tem um alcance e um valor infinitos. Nesse minuto, já ela nos amava no seu coração virginal e nos oferecia ao Pai.
Toda a nossa vida deve consistir em nos preparamos para sermos oferecidos deste modo. Todas as nossas ações e pensamentos devem ser tais que a Virgem Santa os possa apresentar a Deus.
A primeira condição é levar uma vida pura e reta. A segunda exigência é a solidão do coração. O nosso coração é um templo maior que o de Jerusalém. Devemos estar neste templo a sós com Deus e com a Virgem Santa; porque a virgem não perturba a solidão com Deus; ao contrário, assegura-a. É preciso que reine um grande silêncio e uma grande paz, sobretudo, que se evitem discussões. Se fizermos juízos sobre os nossos irmãos, se interiormente estivermos ocupados em queixarmo-nos, em comparar situações e pessoas, então o templo do nosso coração não estará tranquilo. Não só o nosso coração não deve estar ocupado por preocupações estranhas, como é preciso que o não esteja inclusivamente pelas próprias. Devemos lamentar os nossos pecados sim, mas sobretudo fazer o possível por sermos cada vez melhores. É em Deus que devemos pensar e não em nós mesmos. Enquanto nos inquietarmos por coisas supérfluas, Maria não poderá exercer em nós o seu sacerdócio virginal. A terceira condição é estar perto do abandono, condição para que a alma se torne oferenda a Deus nas mãos de Maria. Devemos fazer-lhe o dom dos nossos cuidados, entregar-lhe a solução de todos os casos, devemos atingir a despreocupação de criança. O Evangelho intima-nos a isso com tanta insistência que faz parecer tímidas todas as palavras humanas a este respeito. Pedro, no capítulo V da sua primeira Epistola, sintetiza-as num preceito: Lançai todos os vossos cuidados em Deus.
Ponhamo-nos de olhos fechados entre as mãos da Virgem Santíssima para que ela cuide de nós e nos ofereça a Deus. Nenhum juízo deve ser feito sobre as perfeições dos nossos irmãos, isso é outra coisa que será bom abandonarmos a Maria. Àquele que se abandona deste modo, posso garantir que a Virgem não tardará em tomá-lo nos seus braços e em o elevar até ao Pai… Toda a arte de passar deste mundo para Deus se resume em fechar os olhos e entregar o leme a Maria.
As três condições do sacrifício mariano andam sempre juntas e são inseparáveis por natureza. Ao agirmos assim, Ela então pegar-nos-á e cada uma das nossas ações oferecidas por ela ao Pai terá um valor infinito. Já não há pequenas coisas, tudo é imenso porque está nas mãos de Maria. Para uma alma assim, o que poderá parecer uma montanha não passará de um incidente insignificante. Um filho de Maria mal dá por aquilo que possam dizer ou pensar sobre si, não lhe interessa. Conserva os olhos fechados, e com a mão na mão de sua mãe, deixa-se conduzir até onde lhe aprouver. E como ela nos ergue imediatamente nos seus braços, já nem vê aquilo que aos outros parecia terrível.
Quão doce é sentirmo-nos abandonados entre mãos tão puras…mãos que têm ainda o poder de nos purificar. Maria não precisa ser purificada, mas precisamos nós, para receber Jesus, a luz do Pai. Com efeito, só um cristal puro deixa passar a claridade. Maria foi ao templo, não por ela mesmo, mas no nosso lugar, no nosso nome, para nos comunicar a sua pureza virginal a fim de podermos receber Jesus. Eis a razão por que se viu a Imaculada ajoelhar humildemente nos degraus do tempo. É possível que tenha hesitado ou mesmo sabido que talvez esta água aspergida sobre ela não lhe fosse destinada, mas que ela se espalharia sobre toda a humanidade, prostrada na sombra, sequiosa de perdão… Com isto quis comunicar-nos um pouco da sua graça ao fazer jorrar sobre nós as ondas do seu coração imaculado.
Por fim ergue-nos nos seus braços e eis-nos faca e face com o Pai. Este “face a face” é a forma mais sublime da vida interior. Paulo definiu o céu da seguinte maneira: Já não o vemos no espelho das coisas mas face a face.
Quando vivemos debaixo do seu olhar, tudo o que fazemos é iluminado, tudo se torna mais claro e transparente, mas quando nos deparamos com pensamentos menos dignos, uma nuvem se estende; já não estamos sob o olhar de Deus. A Escritura usa muitas vezes esta expressão: Ambulavit coran Deo: andou na presença do Altíssimo, para fazer vincar o valor e o brilho doce de uma vida dedicada a Deus.
Mas nós também o olhamos: Ele revela-nos a sua verdadeira face – a do amor. Já não temos medo, já não somos obrigados a desviar os nossos olhos, como fazíamos antes de Maria nos ter purificado do medo e de nos ter enchido de confiança. Vemos Deus face a face. Os olhares de Deus e da alma cruzam-se, fundindo-se na unidade eterna.”
Excerto adaptado do Livro “Silêncio com Deus” por um Cartuxo (paginas 135 a 142)
31 de maio de 2012