23 novembro 2012

Cartuxos (um oásis no meio do deserto) VI

 
 

Há algum tempo atrás numa superfície comercial aqui na ilha, cruzei-me com um irmão romeiro, que me apelidou de irmão cartuxo. Confesso que pequei um pouco, por ter levado aquela observação como um elogio, tendo em conta o sentimento que nutro por essa ordem religiosa. Na verdade e parafraseando São João Baptista, se ele não se sentia digno de Lhe desatar a correia das sandálias[1], que direi eu sobre eles, perante os quais, mais do ser um eterno pecador, falta-me a simplicidade e a humildade que eles possuem, entre outras atitudes essências e fundamentais como Cristão.

Depois de outras palavras trocadas com o irmão romeiro, este terminou o seu raciocínio dizendo que “as ordens contemplativas são “o pulmão, as raízes e as fundações da Igreja". Um raciocínio certo e verdadeiro.

Depois de ter utilizado as primícias descritas no Scala Claustralium[2], isto é, depois da leitura cuidada, a meditação possível sobre estas palavras, oração ao Pai para que me iluminasse e alguma contemplação, dentro dos meus parcos conhecimentos, deparei-me com imagens profundas e ricas (dentro do espirito e vivência das ordens contemplativas), as quais passo a explicar:

- Qualquer uma das três palavras refere-se a existências não visíveis aos olhos dos comuns mortais. Todas estas existências encontram-se no interior de algo, seja no corpo humano, debaixo da terra ou por baixo das paredes que sentimos, tocamos ou vemos.

- Depois da imagem acima descrita, deparei-me com mais uma. Apesar de não serem visíveis, todas elas são o fundamental para a existência do que suportam. O ser humano não vive sem os pulmões, porque sem eles não respirava, assim a sua existência estaria em causa. As árvores, por muito belas, frondosas, com ou sem flores ou frutos e por muito altas que possam ser, não existiriam se não tivessem raízes. As igrejas, por muito arrebatadores que possam ser, por muitos milagres que tenham presenciado e por muitos crentes fervorosos de fé em oração que possam conter, não existiriam sem fundações.

- Uma terceira imagem ocorreu-me há dias. Talvez mais suscetível de discussão fraterna, talvez uma imagem exacerbada de um coração impuro e alma pecaminosa, mas sempre no intuito de não me afastar de Deus, tendo Maria como mediadora. “Separados de todos, estando unidos a todos já que é em nome de todos que se mantem na presença do Deus vivo”[3] oram incessantemente por nós. Assim como os pulmões transformam o dióxido de carbono em oxigénio, também as suas orações seguramente transformarão as nossas ações manchadas de pecados em virtudes. No que respeita às raízes, são elas que dão a força, o vigor e a energia às árvores. São também elas que levam os elementos vitais ao corpo que as suporta e que sem elas não seriam nada, sem elas também não conseguiam suster-se de pé e apontar-nos o caminho para o Altíssimo, tal como aqueles e aquelas que, sobretudo através do seu silêncio e solidão fecundos, unem a sua alma ao Verbo de Deus, a esposa ao Esposo, a terra ao céu, o humano ao divino[4], por Cristo, que é o Caminho, a Verdade e a Vida[5]. As fundações da Igreja, mais do que pedras, somos todos nós as pedras vivas[6] da Igreja, mas mais do que nós, a vida contemplativa é o combustível para alimentar e revigorar os membros do imenso corpo que é Cristo, muitas vezes cansados e abatidos, restituindo-lhes a vitalidade e a frescura que precisam para continuarem a edificar[7] o Reino de Deus no mundo.

Quase a terminar sinto que todas as ordens contemplativas são como pedra angular[8] e todas elas nesta sociedade em que vivemos e estão inseridas, cada vez mais são tidas como ultrapassadas, cada vez mais rejeitadas[9].

Termino com um pensamento profundo de Henri Antoine Groués, mais conhecido como Abbé Pierre sobre os contemplativos:


“Os contemplativos podem parecer inúteis. Na realidade, nos momentos mais dramáticos da vida espiritual interior ou coletiva do mundo inteiro são como glaciares. Nada neles é inerte. Tudo estala por todos os lados. Não cessa a vida. É debaixo do glaciar que jorram as torrentes que fazem os nossos rios e as nossas águas mais puras. Elas são o sal da terra... Nós somos sopa... E a sopa, sem sal, não presta...”



[1] São João 1-27
[2] http://www.4shared.com/office/gzoLkjr9/SCALA_CLAUSTRALIUM.html
[3] Estatutos da Ordem 34.02
[4] Estatutos da Ordem 4.1
[5] São João 14,6
[6] 1Pedro 2,5
[7] São Mateus 7,24-25 e São Lucas 6,47-48
[8] Isaías 28-16
[9] São Mateus 21-42/São Marcos 12-10/São Lucas 20-17