Há
algum tempo atrás numa superfície comercial aqui na ilha, cruzei-me com um
irmão romeiro, que me apelidou de irmão cartuxo. Confesso que pequei um pouco,
por ter levado aquela observação como um elogio, tendo em conta o sentimento
que nutro por essa ordem religiosa. Na verdade e parafraseando São João Baptista, se ele não se sentia
digno de Lhe desatar a correia das
sandálias[1], que direi eu sobre eles,
perante os quais, mais do ser um eterno
pecador, falta-me a simplicidade e a humildade que eles possuem, entre outras
atitudes essências e fundamentais como Cristão.
Depois
de outras palavras trocadas com o irmão romeiro, este terminou o seu raciocínio
dizendo que “as ordens contemplativas são
“o pulmão, as raízes e as fundações da
Igreja". Um raciocínio certo e verdadeiro.
Depois
de ter utilizado as primícias descritas no Scala
Claustralium[2],
isto é, depois da leitura cuidada, a meditação possível sobre estas palavras,
oração ao Pai para que me iluminasse
e alguma contemplação, dentro dos
meus parcos conhecimentos, deparei-me com imagens profundas e ricas (dentro do
espirito e vivência das ordens contemplativas), as quais passo a explicar:
-
Qualquer uma das três palavras refere-se a existências não visíveis aos olhos
dos comuns mortais. Todas estas existências encontram-se no interior de algo,
seja no corpo humano, debaixo da terra ou por baixo das paredes que sentimos,
tocamos ou vemos.
-
Depois da imagem acima descrita, deparei-me com mais uma. Apesar de não serem
visíveis, todas elas são o
fundamental para a existência do que suportam. O ser humano não vive sem os
pulmões, porque sem eles não respirava, assim a sua existência estaria em
causa. As árvores, por muito belas, frondosas, com ou sem flores ou frutos e
por muito altas que possam ser, não existiriam se não tivessem raízes. As
igrejas, por muito arrebatadores que possam ser, por muitos milagres que tenham
presenciado e por muitos crentes fervorosos de fé em oração que possam conter,
não existiriam sem fundações.
- Uma
terceira imagem ocorreu-me há dias. Talvez mais suscetível de discussão
fraterna, talvez uma imagem exacerbada de um coração impuro e alma pecaminosa,
mas sempre no intuito de não me afastar de Deus, tendo Maria como mediadora. “Separados de todos, estando
unidos a todos já que é em nome de todos que se mantem na presença do Deus vivo”[3] oram incessantemente por nós. Assim como os pulmões transformam o dióxido
de carbono em oxigénio, também as suas orações seguramente transformarão as
nossas ações manchadas de pecados em virtudes. No que respeita às raízes, são
elas que dão a força, o vigor e a energia às árvores. São também elas que levam
os elementos vitais ao corpo que as suporta e que sem elas não seriam nada, sem
elas também não conseguiam suster-se de pé e apontar-nos o caminho para o
Altíssimo, tal como aqueles e aquelas que, sobretudo através do seu silêncio e
solidão fecundos, unem a sua alma ao Verbo de Deus, a esposa ao
Esposo, a terra ao céu, o humano ao divino[4],
por Cristo, que é o Caminho, a Verdade e
a Vida[5].
As fundações da Igreja, mais do que pedras, somos todos nós as pedras vivas[6]
da Igreja, mas mais do que nós, a vida contemplativa é o combustível para
alimentar e revigorar os membros do imenso corpo que é Cristo, muitas vezes
cansados e abatidos, restituindo-lhes a vitalidade e a frescura que precisam
para continuarem a edificar[7]
o Reino de Deus no mundo.
Quase a
terminar sinto que todas as ordens contemplativas são como pedra angular[8] e
todas elas nesta sociedade em que vivemos e estão inseridas, cada vez mais são
tidas como ultrapassadas, cada vez mais rejeitadas[9].
Termino com um
pensamento profundo de Henri Antoine Groués, mais conhecido
como Abbé Pierre sobre os contemplativos:
“Os contemplativos
podem parecer inúteis. Na realidade, nos momentos mais dramáticos da vida
espiritual interior ou coletiva do mundo inteiro são como glaciares. Nada neles
é inerte. Tudo estala por todos os lados. Não cessa a vida. É debaixo do
glaciar que jorram as torrentes que fazem os nossos rios e as nossas águas mais
puras. Elas são o sal da terra... Nós somos sopa... E a sopa, sem sal, não
presta...”
[1] São João
1-27
[2] http://www.4shared.com/office/gzoLkjr9/SCALA_CLAUSTRALIUM.html
[3]
Estatutos da Ordem 34.02
[4]
Estatutos da Ordem 4.1
[5] São João
14,6
[6] 1Pedro
2,5
[7] São
Mateus 7,24-25 e São Lucas 6,47-48
[8] Isaías
28-16
[9] São
Mateus 21-42/São Marcos 12-10/São Lucas 20-17