19 junho 2020

Partida antecipada




Quando nascemos a única certeza que temos é que não sabemos a hora ou o dia em que Ele nos irá chamar e ainda bem. No entanto e infelizmente, no mundo ocidental em que vivemos, ainda não fomos ensinados para essa certeza. Ainda é muito doloroso vivermos a partida de alguém que se ama, seja nova ou menos nova, mas se for nova ou forem os nossos filhos…

Filhos que se despedem da partida dos seus pais, ficam órfãos, mas e ao contrário? Ao contrário não há nome criado porque não é natural apesar de acontecer. Não é natural os pais enterrarem os filhos…
Nem sequer imagino a dor de um casal que depois de ver nascer o fruto do seu amor, pouco mais de 10 anos, vê-lo partir bruscamente sem nada puder fazer. Ver partir de um segundo para o outro alguém que vendia saúde até aquele momento. Alguém que com tão tenra idade ainda era uma criança inocente, ainda era um anjo de Deus no seio daquela família.


Não compreendemos os desígnios de Deus e numa situação assim, por vezes viramo-nos contra Ele e perguntamos-Lhe:
- Porquê ele e não eu?
E Ele nada nos diz ou aparentemente não O ouvimos.

Olha para os rostos dos familiares mais próximos e apesar de apáticos, sente-se uma dor atroz nos seus corações. Os olhos, espelhos da alma, estão completamente apagados, sem brilho algum, quase que embaciados, apesar das lágrimas já derramadas.

Durante a celebração, fiquei no lugar habitual. Lugar de onde vejo a Capela do Santíssimo Sacramento de um lado e do outro a imagem de Sua e nossa Mãe Maria Santíssima. Hoje e neste mesmo lugar, vejo a brancura do caixão e um pouco da cabeça daquele Anjo de Deus. Qual mãe que teve no seu ventre durante 9 meses e mais de 10 anos a cuidar dele, vejo-a de vez em quando a afagar os seus cabelos docemente e ternamente e outras vezes um carinho na face, qual Maria a fazer o mesmo ao Seu menino Jesus. O pai, qual José, apenas olhava e de quando em vez abraçava-a para a aconchegar do frio interior. A igreja, para a altura que estamos a atravessar, estava cheia de pessoas sentidas por esta partida antecipada. Quais pastores, olhavam para esta família, não pelo nascimento do menino Jesus, mas sim pela partida de um anjo d`Ele. Ao contrário de algumas cerimónias idênticas, esta primou por algum silêncio, talvez introspectivo, porque muitos de nós sendo pais naquele momento estaríamos a pensar “- E se fosse o meu?”

No cemitério o pai chorava timidamente e a mãe, que no momento que me cheguei mais perto dela derramava uma lágrima cheia de brilho e vida (qual estrela de Belém), queria ali ficar para sempre. A avó sabia que o seu neto estava junto a São Francisco e os seus irmãos animais. Já o avô aparentava estar conformado com esta partida e esperançoso com o regresso da neta


Não compreendemos os desígnios de Deus e numa situação assim, por vezes viramo-nos contra Ele e perguntamos-Lhe:
- Porquê ele e não eu?
E Ele nada nos diz ou aparentemente não O ouvimos.

Volto atrás algumas semanas e recordo-me do que me foi dito dois dias antes do fatídico acidente. O anjo de Deus, durante o baptizado da irmã naquele domingo, cumpriu todo o ritual tal e qual o padrinho da menina. Há quem diga que foi o destino a chamar, no entanto, quero acreditar ter sido apenas Deus a mostrar que o Seu anjo iria ser a Luz da sua irmã lá ao pé de Si. Que a sua missão aqui iria terminar brevemente e ao pé de Si era o lugar dele. Quero crer que ao pé do Pai, ele irá interceder pela sua irmã, para que ela recupere sem sequelas e possa iluminar a vida dos seus pais, avós e família mais chegada, já que cá em baixo, essas pessoas estão a passar uma escuridão imensa. Uma escuridão que abafa os corações, enegrece os olhos e tenta fechar os olhos da alma em relação ao Criador.

Sexta-feira, dia 19 de junho de 2020. Dia do Sagrado Coração de Jesus. Coincidências ou Deuscidências mas, a imagem venerada neste dia, já há alguns anos a esta parte que os arranjos florais na Sua capela são executados por esta família agora enlutada.

“Perdeu a vida, mas deu Vida em abundância” é o que me acorre dizer para terminar este desabafo, no qual afinal de contas, nada disse.

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