Uma
pintura é semelhante a um poema. Tela ou folha branca, o artista
olha para a pureza, pensa e imagina o que pretende fazer, seja com um
pincel ou uma caneta.
Um
poema ou uma pintura, o que têm de belo e de muito sublime, é que o
artista imagina algo e passa-o para o papel ou tela, mas quem lê ou
visualiza, consegue imaginar mais do que quem escreveu ou ver mais do
que quem pintou. De certa forma consegue transcender o autor e mesmo
assim, a sua leitura ou visualização, não deixa de ser verdadeira.
Esta
pequena introdução vem no seguimento do retiro das Equipas de Nossa
Senhora que ocorreu no salão do Seminário Episcopal de Angra do
Heroísmo, no 2º fim-de-semana do corrente mês. Ao centro ali
estava a tela representando o Bom
Pastor que
é Jesus O Cristo, mas também os Bons
Pastores
que daquele estabelecimento de ensino saíram, saem e continuarão a
sair, enquanto Deus assim O quiser.
Apesar
de estar concentrado nas palavras que o Padre José Manuel Pereira de
Almeida ia proferindo e no que elas me transmitiam,
por vezes o meu olhar fugia
para a pintura.
Ao
primeiro olhar vejo
a passagem bíblica na qual Jesus diz “Eu sou
o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas.”1
Olhando
mais demoradamente a pintura e os seus pequenos detalhes/pormenores,
começo a ver outras
passagens bíblicas, ainda que subtis, elas estão lá.
Vem-me
à mente a passagem da ovelha tresmalhada2
ou a ovelha perdida3,
nas quais o pastor que tem cem ovelhas, deixa as noventa e nove no
monte, para ir à procura da centésima.
Olhando
para a ovelha, reparo que está muito magra, hoje dir-se-ia
subnutrida e com um olhar triste. Para mim o
estado
da ovelha representa os excluídos da sociedade, não só daquele
tempo mas também de hoje. Naquele tempo os excluídos eram muitos,
mas basta-me pensar na passagem da cura do paralítico4
que vivia
à margem
da sociedade. Sinto que é um sinal, indicando a dimensão da
exclusão. Uma figura
que representa os doentes e sem forças para saírem dessa situação
e que aos poucos vai destruíndo as suas vidas. É também sinal de
miséria, doença e morte. Hoje, os excluídos são os alcoólicos,
as mães solteiras, os viciados na droga, os sem-abrigo, os negros ou
brancos, consoante o país onde estão, exercendo funções
inferiores por causa das suas origens. Excluídos são também
aqueles que se encontram isolados, seja nos estabelecimentos
prisionais ou nas suas mentes cansadas e com doenças incuráveis,
mas também os que se encontram em lares, hospitais ou casas de
recuperação.
Olho
novamente para
essa ovelha,
que está ao colo de Jesus e lembro-me da passagem “Porque
o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.”5.
Naturalmente
que esta passagem não se refere apenas a uma ovelha, mas a uma
ovelha no plural, ou seja, todos nós aqueles
que nos encontramos perdidos. Quantos de nós, no qual me incluo, que
andamos cansados e abatidos, não aguardamos que um dia Ele tenha
compaixão6?
Volto
o olhar um pouco mais
para cima,
para Jesus Cristo e sinto
no
seu olhar
a preocupação de Deus por cada um de nós suas ovelhas, e de forma
especial pelas desencaminhadas e perdidas. Nesses Seus
olhos,
ainda que fechados mas cheios de Amor, transmitem-me
o
que haveria de vir. Maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca,
como um cordeiro que é levado ao matadouro7.
E como realmente foi levado ao matadouro
(leia-se
como a Sua Paixão), dai a existência quase impercetível da pequena
gota de sangue no
cordeiro
derramada na pureza
da roupa
d´Ele.
Volto
o meu olhar um pouco mais para baixo e acho interessante a maneira
como o artista pintou a parte de baixo da veste de Jesus, ou seja, a
parte da veste por sobre a perna direito tem traços
vindos de trás
e todos eles se encontram no joelho. Joelho que me leva a pensar na
oração no horto das oliveiras8
ou nas quedas a que foi sujeito durante a caminhada até ao Gólgota,
onde deu a Sua vida por nós.
Depois
de uma pequena pausa, veio-me
há ideia
a parábola do fariseu e do cobrador de impostos9,
onde é narrado que o o fariseu estando de pé, exaltado as suas
qualidades. Já o cobrador de impostos, e ainda que não se diga como
estava, para além de não levantar os olhos ao céu, julgo que
deveria estar de joelhos e este humilhando-se, foi exaltado.
Naturalmente que não é a posição em que nos encontramos quando
oramos que define se seremos humilhados ou exaltados, no entanto,
gosto de sentir que quando oramos de joelhos, estamos a mostrar-Lhe a
nossa pequenez e a reverência que devemos ao Senhor Nosso Deus.
Um
pouco mais abaixo reparo nas pedras e nos espinhos. Pedras duras e
bicudas, que no meu ver, poderão representar as amarguras da vida,
os sofrimentos, as injustiças ou as opressões, entre tudo aquilo
que torna feio este mundo, ao Seu olhar. Os espinhos, para além de a
sua tonalidade ser semelhante à cor de sangue e que me
leva a crer que
foi por Esse sangue derramado, que Nos resgatou do pecado, também
tendo este aspeto agreste e sinistro, me mostra que os excluídos da
sociedade, muitas vezes tornam-se rebeldes às normas sociais e
compensam o vazio emocional e espiritual que têm dentro de si, em
atos menos próprios.
Olhando
mais para
o alto,
vejo duas montanhas, no meio das quais vislumbramos o azul do céu.
Esta imagem
transmite-me a certeza
de que, apesar de todas adversidades deste mundo, Jesus centrado
na tela
é o único Caminho, a Verdade e a Vida. Se nos deixarmos guiar por
Ele, a alegria desmesurado do pastor,
também significa a felicidade imensa de Deus sempre que o homem
reentra no caminho da felicidade e da vida plena.
Talvez
seja o meu olhar…
25
de janeiro de 2018
1
- Jo 10:11
2
- Mt 18: 12-14
3
- Lc 15: 1-7
4
- Jo 5: 1 - 17
5
- Lc 19:10
6
- Mt 9:36
7
- Is 53:7
8
- Lc 22: 40-41
9
- Lc 18: 9-14
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