19 fevereiro 2010

Diante de Deus - A Oração



"A oração é um dever de todos os momentos: “É necessário rezar sempre”, disse Jesus. E o que ele disse, fez, porque nele – e esta é a sua força – os atos acompanham sempre as palavras e com elas coincidem.
É necessário rezar incessantemente para nos guardarmos a nós mesmos. A vida existe em nós como uma frágil flor: seja a vida do corpo seja a da alma, a vida natural ou a vida sobrenatural. Vivemos rodeados de inimigos: tudo para nós se tornou obstáculo e perigo desde que rejeitamos a Luz que ilumina o caminho: este mundo se tornou Sombra da morte. Ao invés de nos mostrar o Criador e de nos conduzir a Ele, as coisas nos mostram a si mesmas e nos arrastam a elas. O demônio, ao qual loucamente entregamos as coisas, abandonando-nos nós mesmos e ele, fala-nos mediante todas as suas vozes. A sua sombra obscurece a transparência das coisas e, através das fascinantes formas delas, nós já não enxergamos mais a Beleza que elas refletem, mas somente o prazer e a satisfação que podem nos oferecer. O inimigo está em nós mais ainda que à nossa porta; está à nossa porta porque está em nós! Somos nós mesmos que o deixamos entrar. Voltando-se para ele, desligamos de Deus o mundo inteiro. Eis por que o mundo está contra nós, ameaça-nos, tornou-se-nos hostil... e não sem razão. Com o mundo e através do mundo despertamos em nós e em tudo uma guerra.
Isto que se produziu nesse momento é espantoso, mas conseqüência normal. Oh, quão profunda definição da paz encontramos em Santo Agostinho! Sobretudo nesta hora em que o mundo inteiro é desconjuntado até suas mais íntimas fibras sejam nos homens sejam nas coisas; e nas coisas por causa dos homens! As coisas não servem a não ser para matar e destruir (alusão à Segunda Guerra, então em curso)... Como seria necessário meditar nestas palavras em cuja sonoridade imprimiu-se a calma que elas exprimem: “A paz é a tranqüilidade da ordem”! A ordem é a permanência dos seres no lugar que lhes compete: acima de todos, o Princípio que os criou, e todos voltados para Ele para receber, a todo instante, o ser que lhes comunica, agradecendo-lhe e bendizendo-lhe. Eis o que Ele fez: eis a ordem e a paz; eis o que existia na sua realidade profunda, eis o paraíso terrestre. Eis o que será um dia, para aqueles que compreenderem e retomarem essa atitude, o paraíso terrestre!
Certa vez, vi um animal sem rumo, perseguido e espantado, que entrou pela porta deixada aberta de um jardim florido. Que desastre depois da sua passagem! Esta é a imagem, mesmo se tomada de um nível muito inferior, da alma que se abre ao animal do mundo, depois que os nossos progenitores se distanciaram de Deus para escutar o demônio. Desde então, nós somos como um país invadido: é necessário libertar-nos, expulsar o inimigo, livrar-nos dele e retornar a Deus. É preciso fazê-lo sem exército, sem força organizada, com as nossas faculdades desmanteladas, com uma vida ferida e com inimigos e indiferentes por todos os lados. Sem Deus, a nossa impotência é a mais completa que se possa imaginar... Por isso a necessidade da oração e a recomendação tão urgente do Salvador: “É preciso rezar e rezar sempre!” Daqui decorre sua afirmação peremptória: “Sem mim, nada podeis fazer!” Daqui o seu convite que consola e conforta: “Vinde a mim!”
A oração é a resposta da alma que vem, conta sua própria miséria, pede socorro, luz para o espírito, força para a vontade, submissão das paixões à alma e desta a Deus, ordem e paz. Deus diz: “Eu sou e continuo Pai! Eu te amo, eu te escuto! Vem!” A alma responde: “Meu Deus, não posso mais! Vem tu mesmo!”

Parte de uma obra obra sobre a oração, intitulada Diante de Deus – A Oração. O Autor é um especialista no assunto: trata-se de Dom Agostinho Guillerrand, santo monge cartuxo, que viveu entre 1877 e 1945.

04 fevereiro 2010

Clausura é uma opção espiritual


"IRMÃ MARIA JOSÉ

Clausura é uma opção espiritual

Maria José Reis deixou tudo o que a maioria das pessoas espera na vida para se dedicar a uma paixão, a de ser religiosa contemplativa na Ordem de Santa Clara de Assis (Clarissas).

A Ordem de Santa Clara é contemplativa e vive a clausura. As religiosas vivem um dia de oração intensa, no qual são recordadas as necessidades da Igreja e do mundo. Em entrevista à Agência ECCLESIA, a Irmã Maria José fala deste quotidiano e do encanto que a faz permanecer fiel à sua vocação.

Agência ECCLESIA (AE) - Como começou a vocação da Irmã Maria José?

Irmã Maria José (MJ) - Começou há muitos anos…Tinha 19 anos quando despertei para um género de vida que se pode dizer que é fora de comum… embora ela seja comum a todos, mas a consagração é sempre algo que ultrapassa aquilo que dizemos que humanamente é normal, nós optamos pelo sobrenatural. Nasci na ilha da Madeira, foi lá que entrei no Mosteiro da Nossa Senhora da Piedade, onde vivi 17 anos. E depois vim para Lisboa, para o Mosteiro da Estrela.

AE - Como é que uma jovem de 19 anos pensa em entrar num Mosteiro?

MJ - De facto foi um despertar para a dimensão crista e para a vida espiritual, até aí embora crente e praticante até aos 14 anos, deixei de praticar dos 14 aos 18 anos. Criou-se o Movimento dos jovens cristãos da Madeira e fui apanhada, como um peixe na rede. Fui convidada a participar no movimento, acabei por integrar e trabalhar e com grande alegria trabalhei ao lado de D. Francisco Santana, bispo da época, que me deixou muitos exemplos e aí fui despertando para o sagrado, colocando a pessoa de Jesus Cristo como algo muito mais sério e profundo. Cristo não é apenas uma figura histórica é muito para além disso, é o Filho de Deus e é nesta dimensão de fé que tentei abrir caminho, aprofundar e despertar para esta vocação aos pés de Jesus.

AE - Porque uma congregação de irmãs contemplativas?

MJ - Não foi nada pensado… Para já digo com sinceridade que não conhecia nada sobre vida religiosa, nem sobre vidas activas e contemplativas. Primeiro decidi consagrar-me a Deus e isso fez com que eu tivesse de deixar o que pensava ser o meu caminho, o matrimónio. E por acaso já estava comprometida. Para mim não foi muito difícil, mas para ele sim...

Depois de dar o meu sim à consagração comecei por ver onde poderia servir melhor Deus, a Igreja e o Mundo. Foi outro caminho muito difícil…

A vida activa era a que estava presente e os primeiros passos foram conhecer congregações, estive em varias famílias religiosas, onde procurei ver, saber e fazer alguns retiros, até. Mas dizer um sim era muito difícil, gostava de trabalhar em varias áreas e era muito complicado. Depois do 25 de Abril f a época da desorientação e eu fui das primeiras gerações desorientadas, estive um ano à deriva. Mas uma coisa acompanhou-me: a ideia de que para eu ser professora, enfermeira ou educadora não era necessário ir para a vida religiosa.

AE – E cresceu a vontade da consagração na clausura?

MJ - Eu gostaria de me entregar na gratuidade, sem ter de me formar, eu via a vida religiosa de outra forma. Tinha de ser vivida sob o olhar da divina providência. Até que um dia se realizou uma semana bíblica na minha paróquia e as irmãs que organizavam, as irmãs Paulinas, ao prepararem os grupos pediram que houvesse alguém que se responsabilizasse por ir às irmãs Clarissas pedir orações pelos bons frutos dessa semana. E foi o primeiro toque para mim, sem a oração nada se consegue. Foi o primeiro contacto com as irmãs. Depois as irmãs deram-me um livro que numa pequena frase me fez decidir: “Que a única forma de abarcar todas as formas de apostolado e de estar em todos os sítios ao mesmo tempo é a oração”.

O segundo toque para que eu desse o sim definitivo foi uma frase de Jesus Cristo: “Pobres sempre os tereis convosco”, em resposta à revolta de Judas quando Maria Madalena perfuma Jesus e lhe unge os pés, o que muitos se esquecem de fazer ainda hoje. Eu costumo dizer que a nossa vida de contemplação é um “desperdício de perfume”, que derramamos este perfume aos pés de Jesus.

AE - Há sempre a ideia que as irmãs contemplativas apenas rezam… Ou fazem outros trabalhos?

MJ - Eu costumo dizer que “só caminha quem está parado”, é uma contradição. Caminhar na vida não significa andar com os pés, avançar só se consegue quando se pára. A vida contemplativa é um caminhar parado. Há outra dimensão: ao estarmos de joelhos, os nossos joelhos dobrados são a força de muitos pés a andar, isto quer dizer que continuamos a andar nos pés de muita gente, carregamos as dores, as alegrias, as esperanças de todos um povo.

Contemplativos somos todos, é um dom, uma pequena semente que está no coração de todos. Lá por eu estar na vida contemplativa não quer dizer que seja detentora do grande dom da contemplação. O facto de estar em clausura é fazer parte deste corpo místico de Cristo em que todos somos necessários, os que trabalham e os que rezam, e as duas partes complementam-se e é necessário uma graça para ambos. Ninguém trabalha isoladamente, porque o grande segredo da Igreja é a comunhão. Vivemos uns para os outros e neste espírito de oração.

Os contemplativos também caminham, mas de uma forma diferente, mas somos o motor. Precisamos dos irmãos da vida activa porque eles são o conforto da nossa oração e é muito bonito estarmos a rezar e ouvirmos falar dos frutos de lá de fora. Assim como quando há sofrimento, os irmãos saberem que há irmãs que estão em contínua oração por eles, andamos assim com todos os irmãos. Não gosto de separar a vida activa e contemplativa, porque activos somos todos mas também podemos ser todos contemplativos. Ninguém está parado…

AE - Como é a vida quotidiana de uma irmã Clarissa?

MJ - Para já é uma vida normal... Também dormimos, também comemos… Levantamo-nos às 5h50, toca o despertar, às 6h30 vamos para a capela. Começamos pela meditação em silêncio, até às 7h. Depois temos a hora litúrgica de laudes, às 7h30, eucaristia, depois a hora intermédia que é a hora de tércia. A vida de uma contemplativa faz-se com base na liturgia das horas, ou seja, rezar com a Igreja, milhões e milhões de pessoas rezam aqueles salmos em várias línguas mas sempre com a mesma comunhão. Às 8h30 tomamos o pequeno-almoço, porque precisamos de comer, senão morremos mais cedo que o previsto, e depois as irmãs entregam-se ao trabalho normal necessário no Mosteiro. Um deles é o fabrico das hóstias que fazemos aqui, costumo dizer que aqui há a padaria de Jesus Cristo, aqui prepara-se o pão que se vai transformar no corpo do Senhor, e isso é um trabalho que as irmãs fazem com grande devoção.

Encontramo-nos para rezar em comunidade 5 vezes por dia, e ao meio-dia vamos novamente para a capela, onde rezamos a hora de sesta e a seguir a coroa seráfica, uma devoção franciscana, que são as 7 alegrias de Nossa Senhora. Segue-se o almoço e às 15h a hora de Noa. Nestes intervalos há a vida comum que é necessário fazer em casa, o atendimento à porta e a recepção aos peregrinos que visitam o espaço da Jacinta, pastorinha de Fátima. Às 18h voltamos à capela para rezar o terço e a oração de vésperas para se seguir o jantar. Às 20h30 encontramo-nos todas para a hora do recreio, uma reunião onde se fala de tudo, comentários, noticias, pedidos de orações ou simples conversa… festa!

Terminamos o dia na capela com o ofício de leituras e as completas. Além deste quotidiano cada irmã tem a sua hora de oração diante do Santíssimo exposto que temos todos os dias na capela e à Quinta-feira temos a noite toda, estando sempre uma irmã em adoração. A vida contemplativa das irmãs clarissas está mais virada para a adoração ao Santíssimo Sacramento, sendo o fundamental. Somos as sentinelas despertas aos pés de Jesus guardando este reino que está repartido entre tudo o que acontece.

AE - Sendo irmãs de clausura como gerem as saídas?

MJ - A clausura tem uma estrutura, mas é sobretudo espiritual. O estar encerrada não significa por si só estar em clausura, é sobretudo a clausura de coração. Eu costumo dizer que o Amor não tem grades. Aquilo que é necessário fazer lá fora, nós fazemos! Ir ao médico, à farmácia, exercer direitos civis e coisas que são necessárias à vida do mosteiro. Claro que não saem todas as irmãs há sempre uma ou duas destinadas a “fazer a ponte” à sociedade. E hoje eu digo mesmo que a nossa resposta ao voto da pobreza é ir, não é esperar, por exemplo, que o médico venha cá. Os ricos é que trazem tudo a casa!

AE - Como é a comunidade das irmãs clarissas de Lisboa?

MJ - Somos 8 irmãs. Costumo dizer que para o nosso tempo já é muito! Há trinta anos atrás 8 irmãs seria pouco, eram comunidades grandes. Não é uma situação alarmante, não nos devemos preocupar porque tudo isto pertence a Deus e se não há vocações não deve ser visto como algo grave. Se as pessoas querem viver de outra forma o nosso dever é respeitar, porque cada um de nós assume as consequências da sua própria vida. Oito irmãs parece pouco, mas o pouco para Deus é muito!

AE - Como são feitos os pedidos de oração às irmãs?

MJ - Recebemos pedidos de oração e também vêm cá pessoas para conversar simplesmente e até pedir conselhos… Digo muitas vezes que o mosteiro no centro da cidade é como a tenda da reunião de Moisés, que estava fora do acampamento. Nós pertencemos ao povo, mas temos esta tenda erguida e é muitas vezes aqui que o povo sente que Deus está e para onde voltar o olhar e pode correr e saber que aqui podem falar, têm confiança.

Isto é uma missão muito importante que ando a meditar, cada sociedade ou cada cidade necessita de ter algo em que o povo, em momentos de aflição, saiba para onde voltar o seu olhar. E nota-se que os mosteiros são cada vez mais procurados. Se em cada vez que uma pessoa procura um mosteiro nascesse uma vocação, os mosteiros estavam cheios…

O mais importante é que estas pessoas levem para a vida um valor cristão, uma fé viva e alicerçada porque é isso que é preciso para a estabilidade da vida. O que não está visível aos nossos olhos é que vai dando equilíbrio à vida humana."


(Artigo publicado no Jornal "A União" de hoje o qual transcrevo-o aqui na integra.) Uma pérola no meio de um oceano revolto e conturbado