31 julho 2013

A caixa dos Brinquedos

Acontece, por vezes, que, à medida que os filhos crescem, desaparece das famílias a caixa dos brinquedos. As casas tornam-se (um pouco) mais ordenadas, aderem a uma rotina perfeita que durante anos não tiveram, numa respeitabilidade estável segura de si. Principia-se então uma estação de tréguas, sem as surpresas que desesperavam: a chuva de peças órfãs dos seus jogos, os bonecos a ressurgirem onde absolutamente não deviam, o inofensivo módulo encontrado pelo canalizador como única explicação para a monumental avaria. Primeiro respira-se de alívio, portanto. Mas depois, estranhamente, nem tanto. Pois há uma hora em que se percebe a falta que nos faz a caixa dos brinquedos. É nessa caixa que se encontram os símbolos, as brincadeiras; os risos distendidos, as férias em família, os aniversários, os jogos intermináveis à volta da mesa com velhos e novos contagiados pelo mesmo entusiasmo, a contemplação carinhosa sem nenhuma finalidade. É nessa caixa que estão as histórias disparatadas e sábias que contamos pela vida fora. Aí se conservam os odores, os registos, as palavras de uma canção que cantamos muitas vezes e depois esquecemos, a primeira bicicleta, os livros que nos ofereceram quando ainda não sabíamos ler, os cromos, o silêncio da intimidade, a viagem à aldeia, as conversas à janela voltados para a noite. Nessa caixa está a arte de fazer tempo, de perdê-lo para que se torne mais nosso, permitindo a imaginação, o sentido lúdico, a alegria A caixa dos brinquedos não serve para nada, e por isso dá-nos razões para viver. Lembro-me de um texto do teólogo Romano Guardini, intitulado "O espírito da liturgia", certamente um dos livros que mais me marcou. Repito sempre com gosto a sua tese: «Brincar diante de Deus, não criar, mas ser uma obra de arte, tal é a essência mais íntima da liturgia. A liturgia não pode ser compreendida senão por quem leva a sério a arte e o brinquedo». Se é assim com o cerimonial litúrgico, com maior razão deve ser com a vida quotidiana, com os seus tráficos e o seu labor. Temos de levar a sério a nossa caixa dos brinquedos. Não nos damos conta do empobrecimento que representa, mas muitos dos conflitos dolorosos que transportamos mais tarde, vida fora, tem aí a sua origem. Lembro-me de uma história que uma querida amiga me contou. O seu pai era juiz em Itália um homem severo e absorto, sem tempo a desperdiçar, sem grande vontade de levantar os olhos do seu importante mundo, ainda menos para escutar as minudências porque passavam os miúdos. Ela cresceu, formou-se e, durante os primeiros anos, chegou a trabalhar como secretária do pai. Essa proximidade em nada alterou o quadro que conhecia: continuavam dois estranhos, com uma relação puramente formal e um mundo submerso de coisas por dizer. Ela conta que um dia fizeram uma viagem de trabalho a uma das ilhas gregas. Foram de barco, e podemos imaginar os longos tempos de travessia. De madrugada, porém, sobressaltada, ela percebe que o pai está no seu camarote, a acordá-la. Fixa-o sem perceber bem o que se está a passar. E ele diz-lhe: «Vem ver o sol que está a nascer. É enorme, enorme. Vem depressa Vais gostar. Vem.» Muitos anos depois, o pai já tinha morrido, esta história tinha-se passado há décadas, a minha amiga confiava-me: «Se ele tivesse feito pelo menos mais uma coisa destas, pelo menos mais uma, eu ter-lhe-ia perdoado tudo.» A caixa dos brinquedos de cada um de nós deveria ser declarada património imaterial da humanidade. José Tolentino Mendonça In Expresso, 27.7.2013 30.07.13

18 julho 2013

Que faço eu aqui?


Por vezes dou-me a perguntar a mim mesmo “- Que faço eu aqui?”

Não que me sinta desagradecido por Deus ou que não sinta a Sua presença, no entanto, tantas vezes que me sinto impotente e os argumentos que utilizo para que as pessoas percebam que apenas quero o bem delas e aquilo que lhe digo não é para o seu mal, são levados como algo negativo, como o não querer que…

Não sou dono da verdade…só Ele, no entanto, na minha vida fui obrigado a crescer prematuramente e com esse crescimento tive que separar o trigo do joio. Não o fiz sozinho, tive a ajuda da minha mãe de coração e de Deus, sem dúvida alguma, e hoje…quando tento passar esse conhecimento, tantas vezes que é rejeitado e isso magoa-me por vir das pessoas que menos esperava, de pessoas muito chegadas.

Falo mas não me ouvem. Pergunto mas não me respondem. O silêncio por vezes é uma tentação, para não ter que falar apenas às estrelas.

- Que faço eu aqui? Estou apenas de passagem mas por vezes parece-me já longa demais.

09 julho 2013

O pequeno conto da fábrica de Terços

Há entre o céu e a terra, uma usina, onde anjos produzem terços em cadeia, sob o ritmo das orações do Pai Nosso e da Ave Maria, e tudo sob a benevolente direção do Arcanjo Gabriel. Ao término da confecção dos terços, estes são apresentados à Virgem Maria, que lhes atribui uma intenção, antes de serem enviados por toda a terra através de multidões de anjos, encarregados da postagem: os terços elaborados são terços de emergência. Semelhante a um tercinho comum, o terço celeste, qualificado como “de urgência” não difere daqueles que são fabricados aqui na terra, em relação à aparência; difere, sim, devido ao seu poder celestial de incentivo à oração. Assim, por todo o planeta, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer lugar, em casa, na Igreja, no trabalho, na rua, nas profundezas de um campo enlameado, uma pessoa, à vista desse objeto familiar ou incongruente sentir-se-á quase que irresistivelmente impelida a orar intensamente, mas sem intenção específica, a não ser a que nos liga à Virgem Maria. Basta que, neste instante preciso, esta pessoa aceite fazer uma pausa na própria vida, dedicando um momento seu a esta oração, em benefício, por exemplo, de uma alma desconhecida, que esteja necessitando urgentemente de socorro, para que, imediatamente, seja acionada uma extensa operação de resgate celestial. É neste momento que ocorre a agitação entre os anjos socorristas, agitação que coordena, acompanha e antecede a Jesus. Pois, desde que Deus, o Pai, após ter criado o universo, decretou que nada mais aconteceria sem o homem, para que o céu intervenha, ele depende da boa vontade humana. Bem sabe disso o arcanjo Gabriel, que teve a honra e a missão de requerer a mais importante dessas autorizações junto à Virgem Maria, para que o próprio Filho de Deus pudesse intervir para salvar toda a humanidade. Autor Desconhecido Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois Vós entre as mulheres, bendito é o fruto de Vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.