14 dezembro 2011

O caminho faz-se Caminhando


“Coincidência é a maneira que Deus usa para permanecer anónimo” Albert Einstein
Começo este modesto artigo com o curto pensamento acima citado, mas ao mesmo tempo de uma enorme profundidade na sua essência.

 
Há dias atrás, quando estava a criar o presépio lá de casa com a família, entre outras coisas acabámos por fazer um pequeno caminho de farelo, no qual nada chegamos a pôr. Não foi propositado, mas sim porque não tínhamos mais peças. Ficou assim um caminho isolado, solitário e despido.

Por mera coincidência veio-me à ideia de ali recriar a passagem bíblica narrada em São Lucas 24 “O caminho de Emaús”. Para isso bastaria adquirir três peças alusivas, o que por aqui não é muito fácil, atendendo ao facto de que quase só se venderem as peças tradicionais. Por mais outra coincidência, uma tabacaria local tinha à venda peças de presépios diferentes das tradicionais, provenientes de sobras de outros anos ou, eventualmente, de revistas de coleção. Coincidência ou não, tinha apenas duas figuras diferentes que se adequavam ao papel de discípulos, ficando assim a faltar a figura de Cristo que, numa outra rua, e dentro de uma cestinha de peças de todos os tipos, lá estava Ele sozinho, como que à minha espera.

À noite, o caminho isolado, solitário e despido, ficou cheio de luz, cor e alegria, apenas com aquelas três peças. Fiquei com um ligeiro sorriso nos lábios a admirar o resultado e sentia-me bem por ter conseguido encontrar tão facilmente as peças que precisava.

Ali fiquei algum tempo a imaginar a passagem bíblica narrada em São Lucas . O que Jesus disse ou terá dito aos discípulos e aquilo que eles ouviram e sentiram com a Sua presença e as Suas palavras.

Novamente veio-me à ideia o que significaria realmente o Caminho de Emaús, para além do que está escrito.

A primeira ideia que me ocorreu foi a de que não é somente uma passagem bíblica em que quase sempre dizemos “naquele tempo”, mas sim, que este caminho foi, é e será sempre atual. Basta nós abrirmos os olhos para Ele, aliás, em Cristo todas as coisas são novas, basta querermos ouvi-lO no caminho da vida, no nosso caminho de Emaús. Depois, e por acréscimo comecei a pensar no resto desta fabulosa passagem.

“Nesse mesmo dia, dois dos discípulos iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera.”

Caminhar foi a palavra que retive. O que muitas vezes nos custa, é levantarmo-nos do conforto aparente e virtual desta vida e começar a trilhar esse caminho verdadeiro e real. Caminhar com Ele, lado a lado. Que alegria seria se o fizéssemos constantemente.

“Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer.
Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; como os sumos-sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.”
Que bom seria se O ouvíssemos verdadeiramente. Se realmente quiséssemos conhece-lO, escutar a Sua história e compreender o que nos quer transmitir. Ontem, como hoje e amanhã, sermos permanentemente estas duas personagens desse caminho, no nosso modo de estar e ser. Na verdade, inúmeras vezes somos nós os únicos forasteiros a ignorar o que realmente se passou ou a querermos ignorar.

“Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito.
Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso. Entrou para ficar com eles.”

Muitas vezes sentimo-nos lentos de espírito porque achamos que Cristo não está connosco, quase como se fosse uma ausência de Deus nas nossas vidas, no entanto, tudo muda quando O (re) descobrimos no irmão ao nosso lado, na simplicidade perfeita da natureza ou no silêncio com Deus. Quando isso acontece, quando sentimos novamente Cristo em nós, sentimo-nos felizes e com vontade de mudar o Mundo. Sinto que Cristo em nós faz-nos mudar de atitudes, mais atentos aos que nos rodeiam, a quem atendemos (no serviço por exemplo) e mais disponíveis para amar o próximo…começando nos nossos. Julgo e sinto que, de nada valerá “amar o próximo”, se o primeiro próximo, não for aquele ou aquela que é sangue do nosso sangue, descendente ou ascendente, direto ou indireto, ou que, não sendo nada disto, está mais próximo de nós. De que valerá amar o próximo, por vezes um estranho quem nem conhecemos, se dentro das quatro paredes das nossas casas, alguém passa fome ou sofre de solidão?

“Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.”

Quantas vezes, não nos sentimos impelidos pelo Espírito Santo, a ter vontade e a necessidade primária de voltar a Jerusalém e contar a todos que Cristo está vivo e vive em nós? Tantas, mas tão poucas ainda para as que devia ser.

“E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho. Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”

O nosso olhar (tantas vezes que é assim), cego com as luzes do mundo, do barulho ensurdecedor do ruído que fazemos para não ouvir a voz de Deus, no entanto é, quando a cegueira passa, que descobrimos Cristo e o Seu modo de nos fazer ver e sentir as coisas à nossa volta, que nos faz continuar a caminhar escutando a Sua palavra e tornando-nos assim, quase como aqueles dois apóstolos…um ardor no coração enquanto o Ouvimos.
Coincidência ou não, desejo que este pequeno caminho de farelo aqui exposto, possa ser para todos o princípio de uma outra maneira de caminhar nesta vida, caminhando lado a lado com Cristo. “Um caminho que poderá ser duro mas, tirai a santidade à cruz e ter-lhe-eis tirado a sua força avassaladora. Ter a coragem de proclamar a dificuldade do caminho é, simplesmente, pôr em evidência a altura do cume que se pretende atingir: alvorada para os homens generosos, incitamento para os humildes, coroa para os que têm esperança.” …um caminho de Emaús.

29 novembro 2011

A inclinação do rosto de Cristo crucificado


Confesso que nunca me tinha apercebido, conscientemente, do facto do Cristo crucificado ter o rosto virado para o lado direito, até ao dia em que vi O da fotografia.
Foi durante uma cerimónia ocorrida na Igreja da Vila de São Sebastião, pelos bodos deste ano, que me apercebi do Cristo da foto acima e, com as luzes a incidirem n`Ele, a estrondosa “revelação” que me transmitia. Ainda que inclinado para a direita, as sombras originadas pelas luzes, mostram-me que Ele, tanto virou o rosto para a direita como para a esquerda, tendo entregue o espírito quando estava virado para a direita.
Esta imagem transportou-me à 11ª estação da Via-sacra e à sua mensagem:

(Jesus é pregado na cruz) – “Com Ele foram também crucificados dois ladrões. Um insultava-o dizendo-lhe “Não és Tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós também.” Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo que as nossas ações mereciam, mas Ele nada praticou de condenável.”
Parei um pouco para pensar e meditar nesta passagem bíblica, na qual nos é narrado que Cristo foi crucificado juntamente com dois ladrões, um à direita e outro à esquerda . Um insultando-O, o outro aceitando o castigo. No entanto este último continua dizendo-Lhe:
“- Jesus, lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino. Ele respondeu-lhe: - Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso.”

A simplicidade, a verdade e o sentir que Cristo era realmente o Messias, de um, contrasta com a arrogância e o desprezo do outro, quase como (diria eu) um “confronto” entre o bem e o mal. Assim cumpria-se o que estava escrito.
Voltando ao início deste devaneio exacerbado, e perante a “revelação” ali exposta, a mim e a todos aqueles que se aperceberam, veio-me ao pensamento a seguinte passagem:
“ E inclinando a cabeça, entregou o espírito.”

Como mero leigo entre os demais, e após ter contactado com 2 ou 3 sacerdotes, nada em concreto me foi dito do porquê da inclinação para a direita e, em certa medida, essa falta de explicação bíblica sobre a inclinação da Sua cabeça, leva-me novamente ao encontro revelante da sombra projetada pelas luzes. Um Cristo que se inclinou para os dois lados, para os dois ladrões. Um Cristo que, tendo sentido que um deles acreditava n `Ele, perdoou-Lhe todas as suas ações e prometeu-Lhe a entrada no Paraíso nesse mesmo dia. Quanto ao outro, não acreditou que estava perante o Messias, o Redentor. Para este, Cristo era apenas mais um criminoso, mais um que recebia o seu castigo na Cruz.
Sinto que no momento derradeiro, quando exclamou: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.” (mesmo antes disso seguramente), deve ter olhado constantemente para o ladrão que não acreditava N`Ele, esperando que, mesmo no seu derradeiro suspiro, O aceitasse como sendo O Filho daquele que é . Esse ladrão era o que estava pregado ao seu lado direito. “Dito isto, expirou”.

Ontem como hoje, continua com o rosto inclinado para a direita, inclinado para aqueles que não crêem n`Ele, esperando pacientemente que, antes do derradeiro momento, essas pessoas apenas lhe digam:
“ – Jesus, lembra-te de mim…”

24 novembro 2011

Somente...79


A separação aconteceu
Sem dor ou aviso prévio
E partiste para donde vieste
Com um sorriso no coração

Aqueles que sempre te amaram
Uma lágrima presa nas almas ficou
Memórias boas perdurarão
Até ao reencontro por Ele prometido

Família, berço de tudo e de todos
Em união saberão ultrapassar
A partida física do seu ente querido
Permanente nos olhos chorosos

A vida é uma experiência terrena
No relacionamento com os outros
Que crescerá onde existir Amor
Qual minúsculo grão de mostarda

A essência aprisionada
Libertou-se e partiu
Atrás ficou o seu perfume
Nos familiares, impregnado.

Palavras simples aos familiares de uma colega de serviço.

17 novembro 2011

Carta a um amigo preso numa cela que está dentro dele

"Os comboios têm uma característica que nenhum outro meio de transporte tem. Podem andar para trás. Ou melhor, têm bancos que permitem ao passageiro viajar de costas para o sentido da viagem. Como eles, talvez só os barcos, na altura em que desembarcam de qualquer porto, e os passageiros se debruçam no convés, à ré, a contemplar o percurso da ausência.



Mas os comboios são especiais. Naquelas cadeiras, a paisagem vira-se ao contrário. Eu nunca estou a chegar, estou sempre a partir; nada se aproxima de mim, todas as coisas fogem, as paisagens, os postes, as pessoas. Todas as coisas começam, de repente, grandes, e acabam por diminuir, tornar-se minúsculas, irreconhecíveis, ínfimas, nada.


Não te consegui ajudar. Não quiseste ensinar-me a ajudar-te. Ainda não sei porque é que, quando atravesso a tua cidade, perto da tua casa está sempre a chover. Na tua cidade, nos meandros da estação, há sempre um rapaz gordo, de passos lentos e pés solenes, agarrado a um guarda-chuva que nunca condiz com a roupa, sempre à espera. Se calhar à espera de uma rapariga, que se calhar gosta dele só como amiga, e se calhar nunca lhe apareceu, nem lhe aparecerá, e ele vai ficar ali, sempre à espera, a acreditar. É também na tua cidade que há um mendigo sentado num degrau sujo da rua mais deserta, e ele acredita, acredita, acredita, que lhe hão-de encher o copo de esmolas, apesar de estar na rua mais vazia, na noite mais escura, sob a espessa chuva.


Acho que tu vives numa das «Cidades Invisíveis» de Italo Calvino. Aquela que está dividida em duas partes: metade é a cidade monumental, cheia de indústria, comércio, serviços e ruas calcetadas. A outra metade é um imenso parque de diversões. Quando os habitantes se cansam das diversões desmontam metade da cidade: os monumentos, as indústrias, o comércio, os serviços, as ruas calcetadas, e vão construí-la noutro lugar. Se calhar perto de um outro enorme parque de diversões.


E tu tens pesadelos, acordas, de noite, a suar, porque aqueles que construíram a tua casa a desmontaram agora, pedra a pedra. Querias que tudo mudasse menos os teus alicerces, os teus pilares, o quarto onde descansas.


É por isso que costumas chorar, mas de uma forma que ninguém nota, tão delicadamente que as pessoas pensam que estás a sorrir, ou até a contar uma anedota brejeira. Mas eu dei por isso que choravas para dentro e sou mais culpado do que todos os outros porque soube, dei por isso, e ri com as tuas anedotas e o teu sorriso. Mesmo que te zangues com alguém, ninguém dá por isso, porque sorris. E até acho que morres de saudades de alguém só quando ele está perto de ti. Que mundo é o teu? Construímos pontes para serem belas e nunca atravessadas? Porque é que te foram roubar os alicerces da tua casa, pedra a pedra, até que ela foi desmoronando aos poucos, quase sem dares por isso?


Quando comprei o bilhete de partida, na estação onde está o rapaz gordo, de pés solenes, longe do mendigo que ainda acredita com o copo vazio, quando comprei o bilhete para sair da tua cidade invisível, pedi um lugar daqueles que andam ao contrário. O bilheteiro olhou para mim com ar de quem olha para um coala e perguntou se eu tinha a certeza. Eu disse que não, mas queria por força um desses lugares.


A única certeza que eu tinha é que, durante aquela viagem, eu não te voltaria as costas. Estou agora sentado no comboio. Vi-te, nitidamente, no apeadeiro da cidade ausente. Vi-te ficares para trás, mais pequeno, minúsculo, ínfimo. Sempre com a certeza de que eras tu. Porque, se à chegada se começa a ver um ponto irreconhecível e se o vai conhecendo à medida que se aproxima, à partida, mesmo que se não veja, sabe-se quem lá está sempre. À chegada há a esperançosa dúvida. À partida, a amarga certeza. A curva tirou-te da vista, a distância pôs-te longe demais, até a curva da terra quase nos colocou em hemisférios diferentes. E tu podes ter ficado a pensar que eu parti para outra. Mas eu juro que não te voltei as costas."

Artigo publicado no jornal de hoje "A União"

15 novembro 2011

Cartuxos - (um oásis no meio do deserto) III


Longe vão os dias em que vi um pequeno documentário da SIC (penso), no qual o monge (P. Antão Lopez) ao ser entrevistado respondia a uma determinada pergunta mais ou menos assim:
“- Estarei aqui até Deus querer. Se amanhã acabarmos…”
Há poucos dias, tomei conhecimento através de um sitio na net que, por decisão do Capitulo Geral da Ordem do passado mês de junho, a Cartuxa de Évora está na eminência de fechar as suas portas e os monges que ali vivem serem deslocados para outras Cartuxas. A ser assim, Portugal perderá o seu único mosteiro da Ordem Cartuxa, ficando a Cartuxa de Nª Sª Medianeira, no Brasil, o único de língua portuguesa.
Lembro ou relembro, consoante o caso, que estes monges em 1834, por altura da expulsão das Ordens Religiosas do país, foram obrigados a abandonar o convento. Depois de um interregno de mais de um século esta "casa de Deus" foi-lhes devolvida, e no passado ano comemoraram o seu Cinquentenário de regresso.
Confesso que fiquei um pouco triste com esta partida prematura, no entanto, no meu modesto entender só Deus sabe o que é melhor para estes homens que por nós oram incessantemente.
Sonhei um dia visitá-los, nem que fosse apenas por umas horas. Respirar um pouco aquele ar imaculado e sentir a santidade possível neste mundo.
Se calhar não passou disso mesmo “um sonho” desta minha grande empatia por eles.
Não importa para onde irão, porque onde quer que estejam, sei e sinto que oram por nós todos, aqueles que “aqui ficam”.
Termino com um humilde mas sentido poema que lhes escrevi .


Santa Maria Scala Coeli


Vós que estais aí
Sois como um oásis no deserto
Água fresca num dia quente
Pureza viva nesta sociedade suja e moribunda


Vós que aí estais
Esquecidos por nós
Continuai a orar por todos
Aqueles que aqui estamos


Vós sois
O sal da terra que dá sabor à vida
A luz do mundo que ilumina a escuridão
Das nossas almas salobras


A vós que estais ainda aí
Fere-me o coração saber
Da partida em oração
Daqueles que aqui ficam

10 novembro 2011

Tribo de Jacob: Não sou responsável por tudo

Tribo de Jacob: Não sou responsável por tudo: Para mim, o facto de eu entregar as minhas decisões a Deus é uma grande ajuda. Durante a oração, digo então a Deus: "Decidi aquilo que julgu...

13 outubro 2011

Ordem da Cartuxa em Évora está iminente de ser fechada

"Uma má notícia, para todos os amantes da Ordem da Cartuxa: A secular e mítica cartuxa de Aula Dei (Zaragoza, Espanha) vai mesmo fechar, e os seus monges são estão a mudar para Porta Coeli, na Catalunha.
Ver notícia aqui:
http://divinavocacion.blogspot.com/2011/10/aula-dei-se-queda-sin-cartujos.html


Recordo que esta decisão, foi tomada no Capítulo Geral da Ordem, no passado mês de Junho de 2011.


Outra má noticia em primeira mão: O mosteiro de Scala Coeli (Évora, Portugal) está também nas intenções da Ordem para encerrar suas portas. Portugal perderá assim, o seu único mosteiro da Ordem Cartuxa, ficando a Cartuxa de Nª Sª Medianeira, no Brasil, o único de lingua portuguesa."

22 setembro 2011

Provisoriamente

No entanto, noutro contexto, angulos e pontos de vista, mas com o mesmo espírito de Fé e Esperança, continuo aqui

17 setembro 2011

Nossa Senhora de Lourdes

Na igreja de Santa Maria Madalena, Ilha do Pico - Açores. Não é um milagre, mas sim a luz que ao entrar por detrás do resplendor, numa pequena janela, criou a "ilusão" disso mesmo...ou talvez não...

12 julho 2011

As bem-aventuranças

Cristo diz-nos que "felizes..." nas bem-aventuranças...mas, como vivermos felizes numa sociedade que cada vez mais põe Deus no lixo (qual Moody`s)...

07 junho 2011

Artigo sobre os Cartuxos de Évora

Artigo Jornal Expresso Dia 3 de Junho 2011

Um artigo com algum interesse para quem se interessa por esta Ordem Monástica. Gostei particularmente da parte final onde o seu autor (possivelmente sem se aperceber do que escreveu - em termos de fé) refere que "enquanto estamos aqui, eles estão lá, a fazerem-nos saber que "lá" é um lugar que existe."
Que soberbo final de artigo.

26 maio 2011

São Bruno em oração

Pintura da autoria de Domingos António Sequeira patente no Museu Nacional de Arte Antiga.

19 maio 2011

Veio-me à ideia


“Ninguém fica para semente.”, alguém comentou ontem num velório onde estive.

No entanto, muitos deixam a sua semente e todos são a semente de alguém.

19 abril 2011

Dá que pensar...

"Curioso é que nos últimos anos, o número de Peregrinos pelas estradas tem vindo a aumentar, numa relação inversamente proporcional à presença das pessoas nas missas. É crucial entender a razão que leva muitos jovens estarem perto de Deus e mais longe da Igreja Católica!?"

Excerto de um artigo de opinião sobre as Romarias Quaresmais.

14 março 2011

Quadragésima.com 2011

O tempo da Quaresma é um tempo de descoberta da nossa identidade como cristãos. É um tempo de encontro connosco próprios e com Deus. É um tempo especial de introspecção e reflexão. Porque não havemos de o fazer aqui, na net, e de uma forma mais comunitária, ajudando-nos uns aos outros?! Deste objectivo nasceu em 2008 esta proposta, a “quadragésima.com” no Confessionário.


Regras da quadragésima.com:

1. Ao receber a “quadragésima.com” o blogger deve reflectir na sua relação com Deus e descobrir uma frase bíblica que a defina
1.1- só se admitem frases retiradas, com citação, da Bíblia;
1.2- as frases devem ser o mais curtas possíveis;
2. Depois de o fazer deve re-escrever num post estas regras, as frases já assinaladas pelos anteriores bloggers (com o respectivo link), e escrever a sua;
3. No post deve incluir quem deseja convidar (pode e deve manifestá-lo no blog da pessoa convidada);
4. Não é permitido fazer mais que um convite ao mesmo tempo;
5. O blogger que, recebendo a “quadragésima.com”, não estiver interessado em aceitá-la, deve indicá-lo ao seu emissário para que este lhe dê seguimento através de outro blogger;
6. Não podem aceitar mais que uma vez a “quadragésima.com”; se o convite aparecer, mesmo vindo de outra “frente”, devem igualmente informar o emissário do segundo convite;
7. Baseada nalgumas das principais figuras da liturgia da Quaresma, a “quadragésima.com” realiza-se em 3 frentes: frente “Adão” (I Domingo); frente “Abraão” (II Domingo); frente “David” (IV Domingo); estas frentes funcionarão quase como equipas, para tentar chegar ao maior número de bloggers possível (não se trata de encontrar vencedores, mas empenhados)
8. A “quadragésima.com” será encerrada na Sexta-feira Santa, dia 22 de Abril, pelas 12.00 horas, hora em que o último blogger receptor deve endereçá-la, já com a sua frase, a este endereço, para publicitarmos todas as frases que definem a nossa relação com Deus nesta Quaresma de 2011.
9. Os “anónimos” interessados em participar nesta “quadragésima.com”, podem escrever as suas frases no sítio do Confessionário dum Padre, aqui, identificando-se.

Assim, a Fa do Partilhas em Fá Menor convidou Deus em tudo e sempre e esta convidou-me para a frente “Adão”, e eu convido a Mari a dar-lhe continuidade.

Obrigado por aceitares a "quadragésima.com". As frases:

“E tu, quem dizes que Eu sou?” Mc 8, 28 - Confessionário dum padre

Frente Adão

"Olhai como crescem os lírios do campo! Não trabalham nem fiam. Pois eu vos digo: nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles.” Mt 6, 28-29 – Partilhas em Fa Menor

Frente Adão

"Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna." Jo 6, 68 Deus em Tudo e Sempre

Frente Adão

“Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo.” S. Mateus 6,6
Confessioxxi

10 março 2011

+ 1 Pensamento que me ocorreu


"Ainda que a Mulher tenha sido criada da costela do Homem, Deus deu-lhe uma particularidade especial e única, a graça da possibilidade de gerar Vida dentro de si, quase equiparável a Ele, que criou primeiramente o Homem."

04 março 2011

Pensamento

Um pensamento que me ocorreu esta madrugada e agora "consegui" passar a palavras:

"Que segredo fabuloso nos esconde Deus ao dar-nos “o outro” (o cônjuge), amá-lo tanto, ou mais, que a nós mesmos e no entanto, após a dádiva do nascimento da carne da nossa carne e sangue do nosso sangue, só por este estamos dispostos a dar a Vida."

03 março 2011

"Procuro" este Élixir


Já varias pessoas me têm perguntado onde comprar este fabuloso élixir que a Grande Chartreuse fabrica, no entanto, para além do site francês, não sei onde esteja à venda em Portugal. Dizem que é medicinal. Se alguém souber onde se poderá comprar (em Portugal) agradeço.

25 fevereiro 2011

Cartuxos (um oásis no meio do deserto) II

É um filme sem actores, falas, luzes, efeitos especiais ou banda sonora, no entanto, com tudo para ser um dos melhores que vi até hoje. Refiro-me ao filme que dá pelo nome de “O Grande Silêncio”, da autoria do alemão Philip Groning sobre o quotidiano dos monges de um mosteiro Cartusiano, mais precisamente da casa-mãe, a Grande Chartreuse, nos Alpes franceses, fundada por São Bruno de Colónia (103-1101), em 1084 (séc. XI). Apesar do seu nome “sugestivo” é um filme com quase 3 horas, mas com um silêncio que nos fala ao coração. São quase 3 horas absorventes e emocionantes onde, sem nos apercebermos, mergulhamos num mundo tão misterioso e frequentemente tão silencioso como o lado não visível da Lua. Contudo, para entrarmos neste filme devemos agir como quem se recolhe em oração. As imagens, essas conduzem-nos a uma misteriosa mas profícua peregrinação interior.

Tal como o tempo de Deus é diferente do nosso, também a autorização para a realização deste filme demorou cerca de 17 anos a ser concedida, pelo prior-geral da Ordem, aliás, estes monges também não vivem de acordo com o nosso senso de tempo. Atrevo-me a dizer que a paciência de Groning em relação a este projecto teve algo de divino, como se o tempo certo para o realizar tenha sido “aquele” e não “antes”.

“Susto. Surpresa. Choque.” Foi assim que o Pe. Antão López, da Cartuxa de Évora, começou por falar deste filme, adiantando que “o filme retrata com fidelidade a existência cartusiana, na sua liberdade de mil coisas supérfluas, para vivermos o essencial que é Deus.”

Trata-se de um filme sobre a presença do absoluto e a vida de homens que dedicam a sua existência a Deus.

O silêncio, ali, não é um silêncio absoluto. A bem da verdade, o filme está cheio de sons. O som de uma gaveta que é aberta, uma tesoura que rasga um tecido de pano, um sino que toca, das orações, do vento, da lenha a crepitar ou dos risos em momentos de brincadeira. Então, se não há silêncio, por que se chama “O Grande Silêncio”? Penso que será porque há uma absoluta surdez relativamente a tudo o que são os “nossos” sons ou melhor dizendo, os “nossos” ruídos.

Termino com uma passagem, das poucas onde “O Grande Silêncio” é interrompido por algumas palavras (por sinal de uma profundidade inalcançável) e que ficaram-me gravadas com uma dos maiores louvores que se podem fazer a Deus Nosso Senhor, um amor incondicional ao Pai. Refiro-me a uma passagem, na qual um monge mais idoso quebra o silêncio para Lhe agradecer por tê-lo tornado cego. Depois termina dizendo: “ Tenho a certeza que Deus o fez para o bem da minha alma”.

Este filme ganhou os Prémios de Melhor Documentário no Festival de Sundance e nos Prémios Europeus do Cinema.
(publicado no Jornal "A União" de 26/02/2011)

23 fevereiro 2011

Transferências de Amor

"A Cartuxa é um modo de o ser, Ser.



O Ser é silêncio em movimento,
Movimento de Amor.


Seu Iniciante está: deslumbrado,
Pela Paixão
De um Primeiro Olhar.


Não sabe ainda, (mas o irá saber),
do aprofundamento deste Amor,
Que ela própria, a Cartuxa, guarda, no íntimo de seu
Silêncio Recôndito,
Um Beijo Obscuro,
com Sabor de Abismo.


Isto vai re-velando-se (no tempo certo!),
ao Apaixonado,
Após deixar-se desve-lar.
E neste exato momento de Alma,
vai-se desconstruíndo,
“Um saber montado sobre o espiritual”, pretenso conquistado,
que o Apaixonado, em seus devaneios,
que a solidão propicia,
havía, no orgulho, da primeira conquista,
ter adquirido.


Esquece-se o Apaixonado, a dedicação
ao serviço do Cuidado do Mistério,
preso foi à soberba e à sensualidade espirituais.


Sente, então, o Apaixonado,
A aridez em seu peito,
e o real peso na sua Alma, do Mistério.
Quer fugir:
- Não é nada disto que imaginei ?


Que peso tem tudo Isso ?
Da “justa medida” do Peso da Leveza.
Sentimento este próximo
de estar à beira de um Abismo,
sentindo o corpo fixar-se à terra, na sua borda,
e a Alma, joga-se numa empreitada...
para que venha a sentir este peso, justo
da sua leveza.


O olhar do corpo,
ainda preso está.


Neste instante,
Sente-se Ausentado,
Para que o Iniciante Apaixonado,
Seja Encaminhado ao
ao Dignissímo Merecedor e Retribuidor deste Amor,
O Cristo, Amado.


Ele,
Deixa-Ser o Único Necessário."

Dr. Alessandro Zardo
alessandrozardo@terra.com.br



22 fevereiro 2011

Pensamento para hoje

Ocorreu-me ontem...

"Deus, na sua infinita misericórdia, deixa que as crianças puras de coração vejam com a alma, “aquilo” que nós adultos pecadores não sentimos com os olhos."

21 fevereiro 2011

"O QUE APRENDI NA GRANDE CARTUXA"

Artigo publicado na revista "Selecções do Reader's Digest", Abril de 1953, n.º 135 – Edição brasileira, da autoria de A. J. Cronin.


"Ao brilho intenso do sol dos Alpes da Sabóia francesa, depois de uma subida extenuante, normalizei a respiração e puxei a corda da campainha. Aberto o postigo da pesada porta, após um momento de exame, um irmão leigo de capuz pardo introduziu-me, silenciosamente, num pátio murado, onde, entre canteiros de flores a zumbir de abelhas, uma fonte cantava. Adiante, de cada lado da vetusta igreja, corriam dois compridos claustros arqueados, dos quais saíam fileiras de curiosas moradas de íngremes telhados vermelhos. Percebi logo que se tratava dos eremitérios individuais onde habitam, na solidão e no silêncio, os monges da Ordem.

Sabendo que quase nenhum estranho tinha entrado naquele remoto santuário, experimentei profunda palpitação de expectativa. Depois de uma velocíssima viagem de 6.500 quilómetros, e sentindo ainda nos ouvidos o burburinho de Nova York, eu me encontrava no pátio do famoso mosteiro da Grande Cartuxa.

Mas eis que se aproxima de mim, com passos rápidos e com um sorriso tímido mas amistoso, um vulto franzino de hábito branco. Era o Prior, homem dos seus 50 anos, de face corada e de olhos de um azul muito escuro. Deu-me as boas-vindas com simplicidade e dignidade, e ouviu, cortesmente, a explicação dos motivos da minha visita. Depois levou-me a um eremitério desocupado e disse que o Padre Arquivista iria acompanhar-me numa visita geral. E retirou-se.

O eremitério era de pedra e tinha no andar térreo uma pequena oficina com ferramentas, um banco de carpinteiro e um depósito de madeira; no andar superior ficavam o oratório singelo e o quarto de dormir. Nesta, o que vi foi uma mesa simples de carvalho, um pequeno aquecedor de ferro, uma estante de livros, um modesto genuflexório e a cama com um tosco colchão de palha.

Um sino tocou suavemente, ecoando entre os cumes banhados de sol. Lá no alto, o céu era de um azul ofuscante. Tomado pelo sentimento da solidão que me cercava, sentei-me. Era ali, naquela prisão voluntária, que um homem tinha decidido passar toda a sua vida. Era ali, que ele trabalhava e orava, cultivava o seu pequeno jardim e se entregava àquela intensa contemplação que é o fim e o propósito do monge cartuxo.

Nessa altura ouvi uma leve pancada na porta. Era Dom Arthaud, o padre Arquivista, homem idoso mas de porte viril, rosto largo e simpático, olhos castanhos inteligentes piscando brejeiramente atrás dos óculos, para surpresa minha.

- Às suas ordens, senhor. Que deseja saber? – perguntou-me ele depois de me cumprimentar.

- Tudo. Diga-me antes de mais nada: guarda-se aqui silêncio absoluto?

- Exactamente. Excepto, é claro – acrescentou, fazendo uma delicada vénia – quando recebemos a honra de receber alguém como o senhor.

- Quando começa o dia para os monges?

- Às 5 e 45 levantamo-nos com o sino e nos ocupamos com orações até às 7 e 15.

- E em seguida fazem a primeira refeição?

- Não. A nossa primeira e única refeição completa é feita ao meio-dia.

- Somente ao meio-dia?! – Exclamei. – Em que consiste?

- Em geral, consta de verduras da nossa horta.

- Comem carne de vez em quando?

- Nunca. (O meu espanto pareceu diverti-lo.) E uma vez por semana, bem como em muitos dias especial, o nosso único sustento é pão seco e água.

Os meus olhos viraram-se para a dura cama de madeira.

- Deitam-se cedo? – perguntei.

- Sim. Às seis e meia da tarde.

- Pelo menos têm um bom descanso à noite.

- Só até às 10 horas – disse o monge com um sorriso suave. – Então o sino toca, nós nos erguemos para o Ofício nocturno, e depois, acendendo nossas lanternas, vamos para as devoções em comum na igreja.

- Mas então quando é que se deitam?

- Cerca das 3 da manhã.

- E tornam-se a levantar às 5 e 45!

- Exactamente… E garanto-lhe que é descanso mais do que suficiente. – O monge apertou-me o braço, como que para abafar em mim qualquer expressão de dó.

- Venha comigo. Vamos dar uma volta pelo mosteiro.

Enquanto me conduzia pela belíssima igreja, com magníficos assentos e coro lavrados, o Padre Arquivista informou-me a fundação se devia a S. Bruno, com mais seis companheiros em 1084. Mas o que me interessava mais era o lado humano do que o histórico. Enquanto caminhávamos por um corredor de lajes, húmido mesmo naquele dia de Verão com o calafrio da antiguidade, perguntei:

- Vocês não sentem frio aqui no Inverno?

- Oh não. – Ele bateu familiarmente a pedra nua como quem tocasse o ombro de um velho amigo. – As paredes são espessas. E nós temos os nossos pequenos aquecedores.

- Mas parece que não aquecem grande coisa…

- Talvez não. – O piscar dos seus olhos acentuou-se. – Mas rachar lenha nos aquece.

Pensei nos longos meses de neve, nas procissões nocturnas através da escuridão gelada, no serviço religioso à meia-noite naquela igreja imponente e tenebrosa, e não pude reprimir um arrepio. Ao dobrar uma esquina, vimos um jovem leigo empurrando um carrinho cheio de fatias de pão, parando para deixar uma fatia na janelinha de cada eremitério.

Dom Arthaud explicou que aquele brave garçon voltara à pouco do serviço militar, tendo-se distinguido na campanha da Indochina.

- Cada qual toma a sua refeição sozinho?

- Sim… sempre na solidão.

- E é essa a sua ração de hoje?

O Padre Arquivista fez que sim com a cabeça. Com adorável simplicidade, dobrou o possante bíceps e disse:

- O pão é bom. Eu deixo um pedaço de pão sobre o meu banco de carpinteiro quando trabalho… como e trabalho… como e trabalho… trabalho e como… Ninguém pensa em comida quando está deveras ocupado.

- Ocupado?

- Fique certo, meu amigo, que o tempo não dá para o que desejamos fazer. Os bancos esculpidos à mão que o senhor tanto admirou na igreja são todos trabalho dos nossos monges. O mesmo se dá com estes painéis – e mostrou uns lindos trabalhos de linho lavrado ao longo do vestíbulo interno. – Também os móveis do nosso mosteiro, os armários do vestiário e inúmeras outras coisas… Como vê, até no sentido mais material não somos totalmente ociosos.

Prosseguimos a visita pelo claustro. O Padre Arquivista indicou um ermitério próximo e explicou:

- Ali mora um americano… Temos aqui dois americanos. E um padre mexicano. Outro da Áustria. Até um do Japão temos aqui.

- Então vêm gente de toda a parte?

- Sim, meu amigo. Mas temos todos um destino comum.

Com um gesto expressivo ele conduziu-me por uma arcada gótica a um pátio relvado coberto de flores e de flores silvestres. Ali, em filas bem ordenadas, via-se uma série de singelas cruzes de madeira preta, sem nomes, nem inscrição.

Fiquei calado por algum tempo.

- São muitas juntas umas das outras… aquelas cruzes – disse eu por fim.

- Nós não ocupamos muito espaço. Isto porque não precisamos de caixões. Como em vida, basta-nos uma tábua para deitar-nos em cima.

De volta ao eremitério e novamente só, tratei de por em ordem as minhas ideias. O modo de vida naquela prisão voluntária era muito mais severo do que eu havia imaginado. E no entanto, em vez de tristeza peculiar à penitência, em vez da melancolia do ascetismo que eu esperava, o que parecia impregnado na própria substância daquelas antigas pedras cinzentas era uma alegria despreocupada.

O sino soou mais uma vez. O sol escondera-se atrás dos pícaros da montanha. E com a passagem silenciosa das horas naquela estranha existência, que vista de fora, parecia falsa e contrária ao bom senso, assumiu um tranquilo ar de sanidade, enquanto o mundo hostil e absurdo lá de baixo se apresentava perdido no caos e na confusão.

Lá em todos os continentes, os homens disputavam desvairadamente o lucro, e em momentos de lazer só se preocupavam com divertimentos que lhes deleitassem os sentidos. A televisão lampejava, o rádio papagueava, os aviões roncavam fendendo as nuvens com maior rapidez que o som, grandes navios atravessavam velozes os sete mares transportando cargas humanas para aqui e para ali, em busca de riqueza ou de prazer. Ao mesmo tempo, porém, a atormentada e perplexa, vítima de um profundo desassossego, a Humanidade não conhecia a verdadeira felicidade. Em cada terra, ganhando malignidade cada dia, acumulavam-se os apetrechos feitos pelo Homem para a destruição de seu semelhante.

A ciência era agora a senhora, a pobre Humanidade a escrava, e o Homem, esquecido da simplicidade dos seus antepassados, atolado num imenso lamaçal de interesses individuais e de ideais falsos, extenuava-se e suava para fazer girar o moinho sem fim da sua própria desagregação. Essa, debaixo do seu verniz de civilização, era a triste epopeia da Terra, um mundo de trágicos desatinos girando pelo espaço, tendo apenas alguns poucos a erguerem o espírito, o coração e a voz para o Criador.

Não seriam, pois, mais sábios aqueles que tinham resolvido passar os seus dias neste retiro monástico, longe do barulho e da fúria mundana, perto da abóbada celeste, de maneira a poderem fixar permanentemente a vista nas verdades eternas e oferecer talvez, por suas humildes preces, uma reparação pela culpa dos outros?

Poucos, sem dúvida, são capazes de tal retraimento. A convicção deste facto enraizou-se em mim à medida que os dias passavam e eu conheci privações insólitas, o tormento das noites sem dormir e da alimentação espartana, a angústia da solidão nova.

Mas da experiência foi nascendo pouco a pouco uma verdade fulgurante. No supremo isolamento da Grande Cartuxa, inatingível embora para a maioria de nós, encontra-se uma salutar advertência – a necessidade imprescindível que todo o homem tem de se separar dos outros de quando em quando e fazer uma peregrinação interior ao seu próprio coração. Colhidos no vórtice da vida moderna, enredados nas suas complicações, adquirimos o medo de ficar sozinhos e preferimos procurar qualquer distracção do que permanecer na sempre difícil companhia dos nossos próprios pensamentos.

A minha estada ali tinha, forçosamente de chegar a um termo. Quando me despedi dos bons monges e desci à planície lá baixo, senti uma estranha tristeza no coração. Mas, percebi, claramente, que a minha subida ao convento não tinha sido em vão e aprendi a lição da Grande Cartuxa. A sua mensagem era, manifestamente esta: que de vez em quando devemos tomar um pouco de tempo às múltiplas preocupações do nosso trabalho e das nossas distracções para reajustar o nosso senso de valores, para relegar ao seu lugar próprio os nossos desejos materiais. Banindo da nossa boca a inevitável desculpa: Eu bem desejava, mas não disponho de tempo", devemos arranjar um tempo – cinco, dez, vinte minutos ao fim do dia, uma hora em cada tarde de domingo consagrado a um passeio de meditação, um fim-de-semana, de tempos a tempos, inteiramente dedicado a recolhimento. Então veremos como são de pouca importância as coisas que perseguimos com tanto afã; então, talvez, pudéssemos descobrir não só a consciência de nós mesmos, mas o que é muito mais importante – a existência da nossaprópria consciência."

Ontem como Hoje, esta Vocação, tem muito a dar ao Mundo.

18 fevereiro 2011

Saudade

(Imagem retirada da net)

Acabei de ler o fabuloso texto do irmão em Cristo Victor Henriques que dá pelo título “A minha visita à Cartuxa”. Admito que beirou uma lágrima no canto do olho ao sentir o Amor que é demonstrado nas suas palavras.
São 6 páginas de uma enorme Paixão pelos Cartuxos…como eu também os admiro…
Quando os “conheci” e não me lembro como os conheci, nem como quando me apaixonei por esta vocação, sentia…”inveja”. Não no sentido pejorativo da palavra, mas sim, por Deus não mos ter apresentado antes…mas Ele lá sabe o que faz.
Ultimamente e, cada vez que leio algo sobre eles, escrito não por críticos mas por pessoas apaixonadas por Cristo e por este pedaço de Paraíso na Terra, começo a sentir saudade…
Não me perguntem o porquê desta saudade. Não é saudade por achar o “que quer que seja”, mas sim algo mais do que isso. Talvez seja (penso eu) saudade de Deus, saudade de onde parti, não sei. Sei e sinto apenas isso, nas palavras sentidas que vou lendo sobre esta vocação especial. Aliás, sem querer ser mais do que aquilo que sou, sinto um calor no meu coração e uma leveza enorme na minha alma, cada vez que os leio aqui, ali ou acolá.
Mas saudade, ainda que não saiba como nem porquê, é isso que sinto…uma enorme Saudade deste pedaço de Paraíso e da maneira destes Anjos de Deus viverem por nós, no silêncio e na oração constante. “Que trabalho mais escravizante”, poderão dizer algumas pessoas, no entanto, esta saudade leva-me ao ponto de dizer na minha alma: “ Como eu também gostava de ter a graça de ser “escravo” de Deus assim.”

Tenho fé e esperança em Deus, que um dia Ele me agraciará com a possibilidade de os conhecer e, nem que seja apenas por um dia, saborear no âmago da minha alma, a leveza que é trabalhar para Deus e o silêncio divino que ali se respira.

14 fevereiro 2011

Iniciação à Vida Cartusiana

O presente trabalho foi traduzido e adaptado do original francês, dum monge da Grande Chartreuse, feita na Cartuxa de Ivorá, e está acessivel no blog de Juan Mayo, no link dos trabalhos Cartusianos.
Para os devidos efeitos e, atendendo a que, para além de ter pedido autorização (à qual ainda aguardo resposta), é do dominio público, tomei a liberdade de aqui publicar uma pequena passagem deste excelente trabalho faseadamente, o resto é só fazerem o download...
Por Deus...Tudo!

A - A VIDA CARTUSIANA

Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento... e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas (Mt 22, 37- 40).

O fim

O fim da vida cartusiana é a união com Deus no amor (Estatutos Cartusianos 1, 4). A união mais profunda e contínua que seja possível nesta vida. Amor gratuito e íntimo de Deus, por Ele mesmo. Ele tem seu fruto em
Deus, que é o primeiro a nos chamar a sua amizade: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor (Ef 1, 4). É Deus quem se está doando, é o Espírito Santo em nós.

O caminho

A nossa vida, o nosso amor, é resposta ao amor. Ela está fundada sobre a fé no amor do Pai invisível feito palpável em Cristo e dado a nós pelo seu Espírito.
Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim (Jo 14, 6).
Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim, nada podeis fazer (Jo 15, 5).
Filhos no Filho, nós entramos, participamos na vida íntima de Deus. Nascidos do Pai aspiram ao Espírito de amor que cria e regenera toda a humanidade, e todo o universo, eternamente. Já aqui neste mundo unidos a
Cristo, nós vamos ao Pai, no Amor: Pois, por meio dele, nós, judeus e gentios, num só Espírito, temos acesso junto ao Pai (Ef 2, 18) Um manancial se tem alumiado em mim e sussurra; diz no meu íntimo: vem em
direção ao Pai (Ignácio de Antioquia).
Os meios

Para abrir o nosso coração a este caminho de Amor e lhe purificar (porque só os corações puros verão a Deus: Mt 5, 8), nós praticamos a solidão, o silêncio, a pobreza, a castidade, a obediência, a caridade fraterna, a Lectio Divina, o estudo, o trabalho. Mas, sobretudo, nos damos à oração tão contínua quanto nos seja possível, que suba como incenso do altar do nosso coração. Oração de adoração, de louvor e de intercessão no Ofício Divino, onde a Igreja reza pelas nossas vozes. Oração de Cristo. Oração de íntima comunhão com Deus, dentro de nosso coração. Gemidos inefáveis do Espírito, que dão expressão ao desejo profundo e aos sofrimentos do homem e da Criação inteira: Assim também o Espírito socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir nem orar como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis (Rom 8, 26). Oração da noite e do abandono. Oração de luz e de alegria. Silêncio de um coração que ama. Dilatação de nosso coração à medida do Seu. Presença. Pobreza. Amor. Simplicidade onde tudo se funda na unidade: Eu lhes dei a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um (Jo 17, 22).

O Postulantado

O Postulantado é uma primeira aprendizagem da vida cartusiana. Este livro contém os ensinamentos necessários e os conselhos que nos ajudarão a adaptar a um estilo de vida solitário, silencioso e, contudo, fraternal. Toda ela ordenada à união com Deus no amor: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor (Ef 1, 4). Tendes a simplicidade e a humildade de vos deixar formar pelo ritmo da vida, dia a dia e pouco ao pouco aprendereis no interior pelo coração, os costumes de uma intimidade com Cristo. Vida de paz e de alegria, escola de caridade.

10 fevereiro 2011

5ª feira de Amigos


Vivemos numa sociedade e num ambiente onde temos tudo e mais alguma coisa para sermos, realmente felizes, no entanto, apesar disso, falta à maioria de nós o essencial. Falta à maioria de nós o sentimento de Amizade, no seu real valor.

Hoje pela manhã, como aqui comemoramos a 5ª feira dos Amigos, mandei uma mensagem para os meus sinceros amigos, poucos mas bons. No retorno, tive mensagens de profundo agradecimento e telefonemas sentidos das poucas palavras que redigi (mas sentidas).

Temos tudo e mais alguma coisa mas, o essencial e fundamental, cada vez, é mais procurado. Cada vez mais tentam impingir coisas supérfluas, banais e sem valor algum. Temos tudo e mais alguma coisa, mas na realidade nada temos.
Cultivemos o mais importante, cultivemos a Amizade.

27 janeiro 2011

Uma imagem

As palavras podem ser interpretadas consuante o espirito de cada um, no momento e na altura. As "imagens", para além de intemporais mexem sempre com a alma de cada um ou com os olhos de quem as vê.

20 janeiro 2011

Príncipes do Nada


Não é meu costume falar aqui de programas de televisão, mas desta vez vou fazer uma excepção.
Faço-o porque o programa da RTP com o título do assunto, apresentado pela Catarina Furtado, excelente comunicadora, é muito bom e cheio de Amor.
Neste programa são apresentadas situações concretas de países em vias de desenvolvimento, na sua maioria com o apoio de ONG`s, mas todas em “regime de voluntariado”.
Poderia divagar mais sobre o que vejo de bom nestes programas mas, o que “mais me fascina e me dá alguma inveja” é o facto de todas estas vidas, apesar de quase nada terem (ao contrário da maioria de nós) vivem Felizes. Não que eu não me sinta feliz, mas a maioria de nós, com quase tudo, queremos sempre mais e mais. A felicidade aparente de muitos de nós, torna-se tristeza quando, numa sociedade moderna, desenvolvida e acima de tudo consumista, não temos “a última moda”.
Olhando para os olhos daquelas pessoas que são entrevistadas, ainda que quase “nada tenham”, brilham de alegria e felicidade (não só por sonharem com uma vida melhor, uma vida mais desenvolvida e infelizmente mais consumista) pela simplicidade da sua existência, pela vida humilde que levam, mas pelo amor e paixão que vivem em família. Família, instituição que neste país cada vez é menos tida e achada, instituição que o poder político tende a querer eliminar aos poucos.

Graças a Deus sinto-me feliz com a minha família, mas aquele brilho nos olhos de quem "pouco tem"    fascina-me.