08 outubro 2010

6 -A guarda da clausura

"Desde os princípios de nossa Ordem se pensou que, mediante o estrito rigor da clausura, se expressaria e afirmaria nossa total consagração a Deus. Que grande necessidade devesse mediar para sair fora, aparece suficientemente claro pelo fato de que o Prior de Cartuxa não sai nunca dos termos de seu ermo. Agora bem, como numa mesma Ordem suas observâncias devem guardar-se de um modo uniforme e similar por seus professos, nós, que abraçamos o propósito cartusiano, de onde nos vem o nome de Cartuxos, não admitimos facilmente exceções; mas se alguma necessidade o exigisse, sempre se tem de pedir permissão ao Reverendo Pai, salvo em algum caso urgente e nos demais previstos pelos Estatutos.

O rigor da clausura se converteria numa observância farisaica, se não fora um signo daquela pureza de coração à que unicamente se promete a visão de Deus. Para consegui-la, requer-se uma grande abnegação, sobretudo da natural curiosidade que o homem sente por tudo o humano. Não devemos deixar que nosso espírito se derrame pelo mundo, andando à busca de notícias e rumores. Pelo contrário, nossa parte é permanecer ocultos no segredo do rosto de Deus.

Temos de evitar os livros profanos ou revistas que possam turvar nosso silêncio interior. Particularmente seria contrário ao espírito da Ordem introduzir de qualquer modo no claustro jornais que tratem de política. Ainda mais, os Priores exortem a seus monges que sejam muito parcos nas leituras profanas. Mas esta advertência requer uma maturidade de espírito e um domínio de si mesmo que saiba aceitar sinceramente todas as conseqüências dessa melhor parte do que elegeu, a saber: sentar-se aos pés do Senhor e escutar sua palavra.

Não obstante, a familiaridade com Deus não estreita o coração senão que o dilata e o capacita para abarcar nele os afãs e problemas do mundo, junto com os grandes interesses da Igreja de tudo o qual convém que o monge tenha algum conhecimento. No entanto, a verdadeira solicitação pelos homens deve nascer, não da curiosidade senão da íntima comunhão com Cristo. Cada qual, escutando interiormente ao Espírito, veja que é o que pode admitir em sua mente sem que sofra menoscabo seu diálogo com Deus.

Se chegasse até nós alguma notícia do que ocorre pelo mundo, guardemo-nos de comunicá-la aos demais; deixemos mais bem os rumores do século ali onde os ouvimos. Toca ao Prior informar a seus monges sobre os temas que não convém ignorar, em especial sobre a vida da Igreja e suas necessidades.

Sem verdadeira necessidade, não procuremos ocasião de falar com as pessoas da Ordem e com os demais que as vezes chegam a nossa Casa. Porque não aproveita ao amigo da solidão, firme no silêncio e ansioso da quietude, fazer ou receber visitas sem motivo.

Como está escrito: Honra teu pai e tua mãe, mitigamos um pouco o rigor da clausura para receber a nossos pais e a outros parentes próximos, dois dias ao ano, seguidos ou separados. Pelo demais, a não ser que, por amor do Senhor, nos o imponha uma inevitável necessidade, evitamos a visita dos amigos e as palestras dos seculares. Sabemos que Deus é digno de que se lhe ofereça este sacrifício, que será para os homens mais proveitoso do que as nossas palavras.

Nas Casas da Ordem canonicamente constituídas se guarda estrita clausura segundo a tradição da Ordem. Não se pode admitir dentro da clausura a mulheres. Quando falamos com elas, observamos a modéstia própria de um monge.

Recordem os monges que a castidade pelo Reino dos Céus que professam, tem de estimar-se como dom exímio da graça, pois libera de modo singular seu coração para que mais facilmente possam unir-se a Deus com amor indiviso. Deste modo, evocam aquele maravilhoso conúbio, fundado por Deus e que tem de revelar-se plenamente no século futuro, pelo que a Igreja tem por Esposo único a Cristo. É, pois, mister que, empenhados em guardar fielmente sua vocação, acreditem em as palavras do Senhor e, confiados no auxílio de Deus, não presumam de suas próprias forças e pratiquem a mortificação e a guarda dos sentidos. Confiem também em Maria, quem por sua humildade e virgindade mereceu ser a Mãe de Deus.

Quanto proveito e alegria divina proporcionam a solidão e o silêncio do deserto a quem os ama, só o sabe quem o experimentou.

Aqui podem os homens esforçados recolher-se em seu interior quanto queiram, morar consigo, cultivar sem cessar os germes das virtudes e alimentar-se felizmente dos frutos do paraíso.

Aqui se adquire aquele olho limpo, cuja serena mirada fere de amores ao Esposo e cuja limpeza e pureza permite ver a Deus.

Aqui se vive um lazer ativo, repousa-se numa sossegada atividade.

Aqui concede Deus a seus atletas, pelo esforço do combate, a ansiada recompensa : a paz que o mundo ignora e o gozo no Espírito Santo. "

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