29 janeiro 2018

O Bom Pastor...

Uma pintura é semelhante a um poema. Tela ou folha branca, o artista olha para a pureza, pensa e imagina o que pretende fazer, seja com um pincel ou uma caneta.
Um poema ou uma pintura, o que têm de belo e de muito sublime, é que o artista imagina algo e passa-o para o papel ou tela, mas quem lê ou visualiza, consegue imaginar mais do que quem escreveu ou ver mais do que quem pintou. De certa forma consegue transcender o autor e mesmo assim, a sua leitura ou visualização, não deixa de ser verdadeira.


Esta pequena introdução vem no seguimento do retiro das Equipas de Nossa Senhora que ocorreu no salão do Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo, no 2º fim-de-semana do corrente mês. Ao centro ali estava a tela representando o Bom Pastor que é Jesus O Cristo, mas também os Bons Pastores que daquele estabelecimento de ensino saíram, saem e continuarão a sair, enquanto Deus assim O quiser.
Apesar de estar concentrado nas palavras que o Padre José Manuel Pereira de Almeida ia proferindo e no que elas me transmitiam, por vezes o meu olhar fugia para a pintura.

Ao primeiro olhar vejo a passagem bíblica na qual Jesus diz “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas.”1
Olhando mais demoradamente a pintura e os seus pequenos detalhes/pormenores, começo a ver outras passagens bíblicas, ainda que subtis, elas estão lá.
Vem-me à mente a passagem da ovelha tresmalhada2 ou a ovelha perdida3, nas quais o pastor que tem cem ovelhas, deixa as noventa e nove no monte, para ir à procura da centésima.

 


Olhando para a ovelha, reparo que está muito magra, hoje dir-se-ia subnutrida e com um olhar triste. Para mim o estado da ovelha representa os excluídos da sociedade, não só daquele tempo mas também de hoje. Naquele tempo os excluídos eram muitos, mas basta-me pensar na passagem da cura do paralítico4 que vivia à margem da sociedade. Sinto que é um sinal, indicando a dimensão da exclusão. Uma figura que representa os doentes e sem forças para saírem dessa situação e que aos poucos vai destruíndo as suas vidas. É também sinal de miséria, doença e morte. Hoje, os excluídos são os alcoólicos, as mães solteiras, os viciados na droga, os sem-abrigo, os negros ou brancos, consoante o país onde estão, exercendo funções inferiores por causa das suas origens. Excluídos são também aqueles que se encontram isolados, seja nos estabelecimentos prisionais ou nas suas mentes cansadas e com doenças incuráveis, mas também os que se encontram em lares, hospitais ou casas de recuperação.
Olho novamente para essa ovelha, que está ao colo de Jesus e lembro-me da passagem “Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.”5. Naturalmente que esta passagem não se refere apenas a uma ovelha, mas a uma ovelha no plural, ou seja, todos nós aqueles que nos encontramos perdidos. Quantos de nós, no qual me incluo, que andamos cansados e abatidos, não aguardamos que um dia Ele tenha compaixão6?




Volto o olhar um pouco mais para cima, para Jesus Cristo e sinto no seu olhar a preocupação de Deus por cada um de nós suas ovelhas, e de forma especial pelas desencaminhadas e perdidas. Nesses Seus olhos, ainda que fechados mas cheios de Amor, transmitem-me o que haveria de vir. Maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro7. E como realmente foi levado ao matadouro (leia-se como a Sua Paixão), dai a existência quase impercetível da pequena gota de sangue no cordeiro derramada na pureza da roupa d´Ele.

 

Volto o meu olhar um pouco mais para baixo e acho interessante a maneira como o artista pintou a parte de baixo da veste de Jesus, ou seja, a parte da veste por sobre a perna direito tem traços vindos de trás e todos eles se encontram no joelho. Joelho que me leva a pensar na oração no horto das oliveiras8 ou nas quedas a que foi sujeito durante a caminhada até ao Gólgota, onde deu a Sua vida por nós.
Depois de uma pequena pausa, veio-me há ideia a parábola do fariseu e do cobrador de impostos9, onde é narrado que o o fariseu estando de pé, exaltado as suas qualidades. Já o cobrador de impostos, e ainda que não se diga como estava, para além de não levantar os olhos ao céu, julgo que deveria estar de joelhos e este humilhando-se, foi exaltado. Naturalmente que não é a posição em que nos encontramos quando oramos que define se seremos humilhados ou exaltados, no entanto, gosto de sentir que quando oramos de joelhos, estamos a mostrar-Lhe a nossa pequenez e a reverência que devemos ao Senhor Nosso Deus.


 

Um pouco mais abaixo reparo nas pedras e nos espinhos. Pedras duras e bicudas, que no meu ver, poderão representar as amarguras da vida, os sofrimentos, as injustiças ou as opressões, entre tudo aquilo que torna feio este mundo, ao Seu olhar. Os espinhos, para além de a sua tonalidade ser semelhante à cor de sangue e que me leva a crer que foi por Esse sangue derramado, que Nos resgatou do pecado, também tendo este aspeto agreste e sinistro, me mostra que os excluídos da sociedade, muitas vezes tornam-se rebeldes às normas sociais e compensam o vazio emocional e espiritual que têm dentro de si, em atos menos próprios.


Olhando mais para o alto, vejo duas montanhas, no meio das quais vislumbramos o azul do céu. Esta imagem transmite-me a certeza de que, apesar de todas adversidades deste mundo, Jesus centrado na tela é o único Caminho, a Verdade e a Vida. Se nos deixarmos guiar por Ele, a alegria desmesurado do pastor, também significa a felicidade imensa de Deus sempre que o homem reentra no caminho da felicidade e da vida plena.

Talvez seja o meu olhar…








25 de janeiro de 2018
1 - Jo 10:11
2 - Mt 18: 12-14
3 - Lc 15: 1-7
4 - Jo 5: 1 - 17
5 - Lc 19:10
6 - Mt 9:36
7 - Is 53:7
8 - Lc 22: 40-41
9 - Lc 18: 9-14

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